Livre pensar – Crises que levam a soluções

Livre pensar – Crises que levam a soluções

A primeira vez que me envolvi com preservação ambiental foi em 1961. Tinha apenas 11 anos e me dispus a levantar dinheiro na escola para o World Wildlife Fund (WWF), lançado naquele ano. Profissionalmente, a minha iniciação se deu no começo dos anos 1970, ao terminar uma pós-graduação sobre planejamento urbano e regional. Logo depois, passei a trabalhar em uma consultoria pequena, baseada em Londres, onde a maior parte do meu trabalho compreendia estudos de impacto ambiental para o desenvolvimento de lugares como o Egito e Singapura. Os clientes eram governos, agências governamentais internacionais como as Nações Unidas ou o Banco Mundial.
Em 1978, co-fundei uma nova empresa, a Environmental Data Services (ENDS), cujo propósito era investigar e reportar o que as corporações estavam fazendo nas áreas de segurança, saúde e meio ambiente. Após cinco  anos à frente da ENDS, tendo já conhecido centenas de empresas ao redor do mundo, deixei o posto para estabelecer minha própria consultoria, passando a apoiar grandes companhias interessadas em desenvolver suas primeiras declarações de políticas ambientais e de relacionamento com stakeholders. O ano de 1987 marcou a fundação da SustainAbility, onde ainda estou até hoje.
O meu  background, portanto, advém de uma experiência de 35 anos de trabalho nesse campo. Fazendo uma linha do tempo, vale registrar as várias grandes mudanças de definições na área de sustentabilidade e no modo como o papel dos negócios passou a ser  encarado.
Crescentemente, líderes mundiais reconheceram que a necessidade de transformação em nossas tecnologias, economias e sociedades – de fato em nossa própria civilização – nunca foi tão grande. Mas a mudança não é um processo simples. Desde a Revolução Industrial, uma série de ondas de pressões sociais forçou os negócios e os investidores a se adaptarem a novas realidades, da abolição da escravatura, passando pela introdução de das regulamentações iniciais sobre questões como saúde e segurança, até áreas mais complexas, como a quebra de trustes e a tentativas de acabar com a interferência indevida das empresas na política.
As mais recentes ondas de pressão começaram a ser estabelecidas a partir do começo dos anos 1960, pelo menos na Europa, América do Norte e Japão. Assim como em períodos históricos de transformação anteriores, os picos e depressões das ondas empoderaram as agendas políticas e regulatórias e, com o passar do tempo, forçaram a evolução do mercado – com uma crescente gama de prioridades ambientais, sociais e de governança, cada vez mais aceitas na pauta.
A primeira dessas últimas ondas de pressão atingiu seu auge entre 1969 e 1973, e focou-se fortemente em questões ambientais – em uma atmosfera de suspeita intensa em relação aos negócios e aos políticos que apoiaram o conflito no Vietnam. Essa onda gerou uma série de mudanças políticas e regulatórias, incluindo a formação do U.S. Environmental Protection Agency and United Nations Environment Programme (UNEP). Durante a depressão seguinte, de 1974 a 1987, os  governos tentaram acelerar na direção de um futuro mais limpo, ao impor um grande número de regras e regulamentações para as empresas.
Essa Era assistiu ao surgimento de muitas empresas em setores como o de comida integral e energia renovável. Muitas dessas iniciativas “contra-culturais” foram influenciadas por livros com títulos como “Terra espaçonave e todo o catálogo da Terra”. Eles vieram para ver o mundo de uma maneira mais holística. Enquanto isso, grandes negócios estavam fortemente na defensiva, forçados a cumprir leis muito freqüentemente rascunhadas por pessoas que pouco sabiam sobre como a indústria funcionava de fato. Um grande número de pessoas encontrou novos empregos nas indústrias de regulamentação e coação.
A segunda grande onda de pressão atingiu ainda maiores proporções e chegou ao pico entre 1988 e 1991. Novamente, foi em grande parte estimulada por questões ambientais, entre elas a descoberta do buraco da camada de ozônio sobre a Antártida, engatilhando uma abordagem de negócios significativamente diferente. Como os assim chamados “consumidores verdes” trouxeram uma pressão para o mercado, o desempenho ambiental de produtos – e depois empresas –tornou-se cada vez mais  uma questão competitiva e, portanto, um desafio estratégico para as organizações. Um resultado inevitável foi que emergiram diversas abordagens rivais e padrões de mercado. Na depressão seguinte, assistiu-se ao ciclo de convergência e consolidação em torno de padrões de gestão como aqueles desenvolvidos pela ISO (International Standard Organization) e pelo GRI (Global Reporting Initiative).
Mesmo depois dos problemas extraordinários vividos por empresas como a Shell, Nike e Monsanto durante os anos 1990, o início da terceira onda de pressão chegou na forma de um choque palpável para organizações como a OMC (Organização Mundial do Comércio), ao estourar nas ruas de Seattle em 1999. Dessa vez, o foco recaiu poderosamente sobre os problemas causados pela globalização – e sobre a rápida proliferação de uma gama de questões corporativas e de governança global. Com essa terceira onda, a agenda voltou-se, cada vez mais, para as mudanças sistêmicas, algo que encontrou sua síntese no lema adotado pelo  Fórum Social Mundial: “Outro Mundo é Possível”. O progresso, porém, foi dolorosamente devagar.  Cada onda–vale dizer — apresenta as suas diferenças. Mas essa terceira onda mostrou semelhanças com a primeira, tendo, no entanto, uma geração mais nova radicalizada e sem fé na habilidade dos governos e dos grandes negócios de reconhecer os problemas crescentes que vieram á tona no despertar da liberalização e privatização do mercado.
A terceira depressão aconteceu em 2002, na esteira dos efeitos intensos dos ataques de 11 de setembro e suas conseqüências, e de falhas na governança corporativa e ética como as registradas na Enron, Andersen e WorldCom. Por um curto período de tempo, pareceu que o resultado poderia ser uma nova ordem mundial, dedicada a uma nova série de valores. Mas aí a segunda administração Bush desperdiçou a oportunidade. Alguma legislação nova foi introduzida, incluindo o ato Sarbanes-Oxley nos Estados Unidos e as regulamentações da REACH, da União Européia, desenhadas para ampliar o controle no setor químico. Mas no vácuo global de governança, induzido pelos próprios americanos, um grande número de iniciativas voluntárias se consolidou, principalmente o Protocolo de Kyoto sobre as mudanças climáticas, desestimulado pelos Estados Unidos. Indicando a mudança sistêmica que começava a emergir, a responsabilidade social empresarial e a sustentabilidade passaram a ter importância central nas agendas de organizações e iniciativas como o Fórum Econômico Mundial, a Clinton Global Initiative e as reuniões de cúpula do G8.
Infelizmente, porém, o nível de mudanças sistêmicas necessárias para alterar grandes questões como a pobreza, a fome, as doenças, o crescente risco de pandemias globais, e o abrupto aquecimento global, não foi o desejável – em grande medida porque faltaram também liderança e a visão de cima para baixo. Na ausência de tal liderança, a maioria das iniciativas de transformação se deu de baixo para cima, incluindo muito do movimento de cidadania corporativa observado em todo o mundo. Aqui também, no entanto, existem sinais de que o impacto geral é menor do que a soma das partes. Importantes pensadores da estratégia corporativa, incluindo Michael Porter e Mark Kramer, da Universidade de Harvard (veja “Strategy & Society: The Link Between Competitive Advantage and Corporate Social Responsibility”/ Harvard Business Review/ Dezembro de 2006), começaram a direcionar sua atenção para a área da responsabilidade social empresarial, concluindo, por exemplo, que “as abordagens prevalecentes para RSE são tão desconectadas dos negócios que obscurecem muitas das maiores oportunidades para empresas beneficiarem a sociedade”.
Então, para onde vamos? Se estivermos certos – e todas as projeções deveriam vir com um alerta mostrando que a única coisa com a qual se pode contar é um futuro cheio de surpresas e chateações –, a próxima onda positiva já está se construindo em uma escala de tempo acelerada, e pode chegar ao seu pico em 2010. Enquanto isso, no entanto, bilhões de pessoas em todo mundo ainda estão presas do lado de fora da economia de mercado, a maioria delas desesperadas para colocar um pé para dentro da porta. E até mesmo aqueles que vivem no mundo desenvolvido se sentem incrivelmente inseguros. É claro que nosso mundo enfrenta desafios de época – desde conflitos categóricos, terrorismo e armas de destruição de massa, passando por pobreza e fome, até a ameaça de pandemias globais e, talvez o maior problema de todos, as mudanças climáticas.
Manipuladas da maneira correta, as crises de hoje vão nos levar às soluções de amanhã, apresentando novas e potenciais oportunidades de mercado ainda não devidamente exploradas. Existe hoje algo em torno de quatro bilhões de consumidores de baixa renda, que constituem a maioria da população mundial. E eles formam o que é crescentemente chamado de base da pirâmide (econômica), ou BOP [sigla em inglês, significa Base of the Pyramid]. Novas pesquisas estão explorando como usar abordagens baseadas no mercado para “melhor atingir suas necessidades, aumentar sua produtividade e ganhos, e empoderar sua entrada para a economia formal”. Mercados de BOP estão longe de serem pequenos: estima-se, por exemplo, que o mercado BOP na Ásia (incluindo o Oriente Médio) tenha 2,86 milhões de pessoas e represente um total de 3,47 trilhões de dólares em lucros. Já no Leste Europeu, na América latina e na África, esse mesmo mercado deve representar respectivamente 458 bilhões de dólares, 509 bilhões e 429 bilhões de dólares. No total, calcula-se que os BOP movimentem cerca de 5 trilhões de dólares.

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