Livre pensar – Escassez de água: Uma crise iminente ou temos saída?

Livre pensar – Escassez de água: Uma crise iminente ou temos saída?

Parece distante, mas é tão real e tão próxima de qualquer cidadão do mundo, a discussão sobre a escassez da água. Ela permeia os vários aspectos da sociedade contemporânea. Ela está ligada aos aspectos social, econômico, tecnológico e de saúde pública. Com o advento da industrialização e o crescente aumento da população no mundo, o consumo de água tem aumentado juntamente com demandas de água de melhor qualidade.
A importância sanitária e econômica da água é uma das mais evidentes. A implantação ou melhoria dos serviços de abastecimento traz como resultado uma rápida e sensível melhora na saúde (diminuição de doenças cujos agentes etiológicos são encontrados nas fezes humanas) e nas condições de vida de uma comunidade.
Os usos que se faz da água, incluindo a captação para abastecimentos públicos e a descarga dos efluentes, leva a impactos específicos, e geralmente previsíveis, sobre a qualidade das águas. Adicionalmente a esses usos deliberados, há várias atividades humanas que apresentam efeitos indesejáveis. Por exemplo, o uso não controlado da terra para urbanização, os desmatamentos, a liberação acidental (ou não autorizada) de substâncias químicas, descargas de esgotos não tratados e lixiviação de líquidos contaminados de depósitos de resíduos sólidos. Da mesma forma, o uso excessivo e descontrolado de fertilizantes e pesticidas apresenta efeitos negativos por longos períodos nas coleções de águas superficiais e subterrâneas, a despeito de suas vantagens para a produção de alimentos.
Intervenções estruturais no ciclo hidrológico natural por meio da canalização ou do barramento de rios, derivação da água em uma mesma bacia ou entre bacias de drenagem, e a explotação excessiva de aqüíferos também têm mostrado que a degradação ambiental resultante em longo prazo, freqüentemente, se sobrepõe aos benefícios previamente almejados.
Trazendo essa discussão para os grandes centros urbanos, e no caso específico do Brasil, visualizamos uma outra ligação: escassez e, ao mesmo tempo, a qualidade do recurso.
No Brasil, temos mais uma contradição. A região Norte é a menos populosa, porém armazena a maior quantidade de água. Já as regiões Sul e Sudeste têm as maiores concentrações populacionais e a menor quantidade de água disponível por habitante, sendo comparável às regiões áridas do Nordeste brasileiro. Só para exemplificar, a RMSP tem 201 metros cúbicos por habitante por  ano, um número extremamente inferior ao desejável que é acima de 1500 metros cúbicos por habitante por ano. Portanto, a RMSP é um caso extremamente crítico e já há muitos anos utiliza água importada de outras bacias hidrográficas, agravando o conflito regional pela utilização do recurso. Por outro lado, as pesquisas também mostram que 78% do consumo de uma residência ocorre no banheiro, por meio de descargas sanitárias e no banho, refletindo um aspecto cultural que, necessariamente, deve ser modificado.
O que fazer para reverter este cenário? É imperioso, trabalhar a questão da educação ambiental no tocante ao uso adequado dos recursos hídricos, mas também devemos ter em mente que saneamento é uma ferramenta de saúde pública e desenvolvimento urbano. Saneamento ambiental é um indutor de crescimento.
O último Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD/2006 afirma que a falta de água e saneamento mata uma criança a cada 19 segundos, em decorrência de diarréia (onde? no Brasil?). Os efeitos do problema, conseqüentemente, recaem mais sobre os que têm menor renda. Sobretudo por falta de água potável e saneamento, são registrados cinco bilhões de casos de diarréia por ano nos países em desenvolvimento (incluindo o Brasil). Desses, cerca de  1,8 milhão são crianças  menores de 5 anos, que morrem da doença , ou seja, 4.900 por dia. É a segunda principal causa de morte na infância, atrás somente das infecções respiratórias. Ainda que possa ser evitada com medidas simples, a diarréia mata mais do que a tuberculose e a malária;  seis vezes mais que os conflitos armados e, entre as crianças, cinco vezes mais do que a Aids.
O custo financeiro para avançar no setor não é desprezível; reduzir pela metade a proporção de pessoas sem acesso a esses benefícios, como prevê a meta do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio ligada à água e saneamento, requer US$ 10 bilhões ao ano se for utilizada tecnologia de baixo preço. Para universalizar o acesso são necessários de US$ 20 bilhões a US$ 30 bilhões ao ano, dependendo da tecnologia.
O valor de US$ 10 bilhões, porém, é menos do que o mundo gasta com armas em cinco dias e menos da metade do que os países ricos desembolsam com garrafas e copos de água mineral. No Brasil, investir a cifra de 10 bilhões de reais ao ano, por 20 anos consecutivos, é a diferença para se ter saneamento universalizado, o que corresponde a, aproximadamente, investir entre 0,6% a 0,7% do PIB brasileiro. Portanto, é uma questão de decisão política!
O texto aponta também que, a se manter a tendência atual, custará ainda mais caro, mesmo em termos financeiros. “Permitir que o déficit de água e saneamento continue, custaria nove vezes mais do que resolvê-lo”, compara o RDH. Só os sistemas de saúde dos países em desenvolvimento economizariam US$ 1,6 bilhão ao ano. O custo total do déficit estimam os autores do relatório, chega a US$ 170 bilhões, ou seja, mais do que o Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, ou 2,6% do PIB de todos os países em desenvolvimento somados. Portanto, se os benefícios sociais por si não são motivadores, vamos universalizar o saneamento só para economizar. É muito mais inteligente!
A solução para estes dilemas também passa pelo uso de novas tecnologias, como a descontaminação de fontes de abastecimento, dessalinização da água dos oceanos; e programas de conservação, de redução de desperdícios e de proteção dos recursos naturais, em particular da água.
A tecnologia utilizada no saneamento básico urbano nos últimos 120 anos, particularmente no Brasil, muito pouco foi modificada. As técnicas empregadas até o final do século passado garantiram a proteção da saúde da população onde os serviços são prestados e suportaram o desenvolvimento econômico e social das cidades. Neste período, o desenvolvimento tecnológico foi mais aprofundado no conhecimento e funcionamento dos filtros rápidos, na utilização dos produtos químicos e nos processos de sedimentação e flotação, sempre buscando melhor eficiência e produtividade no tratamento da água. Os processos de tratamento dos esgotos também apresentaram avanços, a despeito do ainda baixo índice de esgotos tratado no Brasil.
O conhecimento importado ou desenvolvido aqui indica que o atraso em relação à universalização no país se deve muito mais à questões de recursos financeiros, de gestão e de prioridades políticas.  O ambiente atual remete o saneamento básico a uma nova realidade. A escassez de água, as restrições ambientais, as questões relacionadas às mudanças climáticas, a percepção dos clientes em relação à prestação dos serviços (aqui incluído o preço e sua qualidade) e ao meio ambiente e o custo de capital, são elementos a serem considerados pelos prestadores dos serviços.
Fazer mais com menos, adotar tecnologias apropriadas, desenvolver tecnologias e incorporar os benefícios da informática em todos os processos da prestação do serviço no sentido de melhor atender o cliente com qualidade, eficiência e eficácia é fundamental. E para isto acontecer, mudanças de paradigmas são essencialmente necessárias.
O desenvolvimento científico e tecnológico, a adoção de tecnologias apropriadas e a difusão dos conhecimentos gerados de interesse para o saneamento básico criarão uma nova dimensão nos serviços e no mercado de saneamento, que a despeito de ser um monopólio natural, ensejará uma saudável comparação entre os prestadores e fomentará a concorrência.
O desenvolvimento das indústrias química e farmacêutica, sintetizando novas substâncias e sua disposição no meio ambiente; a pesquisa e o desenvolvimento da medicina correlacionando essas novas substâncias aos agravos da saúde, e a tecnologia de detecção dessas substâncias por novos e modernos equipamentos aliado aos padrões de potabilidade da água cada vez mais restritivos, sugerem que os processos de tratamento de água cada vez mais deverão ser monitorados e a qualidade do produto representar barreiras sanitárias efetivas. Por outro lado, a remoção do meio ambiente dessas novas substâncias, também aponta que a escolha do processo de tratamento dos esgotos passa a ganhar uma nova dimensão em importância.
O desenvolvimento e a ampliação da prestação do serviço em novos padrões trazem como beneficio uma evolução tecnológica e a ampliação do mercado. Uma boa ferramenta para superar o fantasma da escassez da água.
Assim, todos os processos do saneamento deverão evoluir. O combate às perdas reais e aparentes, de forma contínua e com tecnologia avançada. O tratamento dos esgotos deverá incorporar para o seu desenvolvimento os negócios e oportunidades envolvidas sob uma ótica da gestão dos resíduos de forma regional.
O aproveitamento da água de reuso, a utilização do biossólido na agricultura, a geração de energia com a biomassa e o biogás, além da possibilidade da obtenção dos créditos de carbono, serão elementos decisivos na formatação do equacionamento da eficiência dos prestadores e a ampliação do atendimento do saneamento rumo às metas do milênio.
Atualmente, a maior crise do setor é a da gestão dos serviços. Os prestadores deverão investir na qualidade da gestão, utilizando ferramental moderno de controles em todos os processos de suas administrações – e não apenas nos processos técnicos – para superar as suas deficiências. Hoje, sem dúvida, a visão da administração deve ser holística.
Finalizando, o desenvolvimento que o saneamento básico no Brasil e nos demais paises emergentes, deve experimentar, tem seus contornos fundamentados nos seguintes aspectos;
Escassez de água,
Tecnologias apropriadas,
Busca da auto sustentabilidade energética,
Investimento em MDL,
Conservação ambiental,
Gestão integrada de resíduos (lodos de ETEs, ETAs e Lixo),
Economia de escala,
Geração de valor para o prestador dos serviços
Satisfação do cliente em sentido amplo.
Portanto, a escassez iminente da água tem saída. Dependerá de um esforço conjunto de toda a sociedade, no sentido de que cada uma das partes cumpra o seu papel adequadamente.
Lineu Andrade de Almeida, é engenheiro, professor e vice presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, seção São Paulo.

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