Marco lógico

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Marco lógico: adotado depois do projeto social já planejado?

Por Maria Cecília Prates Rodrigues

Como se sabe, o marco lógico é uma ferramenta que foi inicialmente desenvolvida para planejar o projeto social. Está baseado na explicitação da cadeia hierárquica dos objetivos a serem atingidos (com os seus indicadores, metas, fontes de verificação e pressupostos), tendo em vista a “teoria da mudança” esperada para o projeto. Um planejamento bem feito representa muito mais do que meio caminho andado para uma avaliação consistente e relevante. Isto porque, ao iniciar o projeto, já se tem clareza quanto ao problema a ser enfrentado, às características do contexto social, aos resultados pretendidos, às estratégias  a serem seguidas, à atribuição de responsabilidades entre os atores, como era a situação pré-projeto e qual é a situação desejada para o pós-projeto.

Porém, o que tenho constatado é que, na maioria das organizações do terceiro setor, os projetos são concebidos a partir de boas intenções e do senso de oportunidade dos seus líderes; depois, vão sendo moldados em função das parcerias, recursos e apoios, somados ou subtraídos durante o seu percurso. Quer isso dizer que, na prática, os projetos nascem e são implementados sem fazerem uso do marco lógico enquanto ferramenta para embasar a discussão, entre os seus públicos, das questões relevantes associadas ao planejamento da iniciativa. Mesmo porque normalmente não estão previstos recursos suficientes para financiar o planejamento, uma vez que os desembolsos só são liberados depois do projeto aprovado.

Quando o marco lógico não é utilizado para subsidiar o planejamento do projeto social, é possível introduzi-lo na etapa da avaliação?

Cabe deixar claro que, se bem utilizado na etapa do planejamento, o marco lógico ajuda a sistematizar o cenário desejado e o caminho a ser seguido. Desse modo, fornece os critérios para o monitoramento e avaliação de resultados, além de fortalecer os argumentos para rever o planejamento inicial quando for o caso, aspecto muitas vezes esquecido pelos críticos da ferramenta. A esse respeito, vale o alerta de que o marco lógico não deve ser percebido como um elemento para engessar o planejamento, mas, ao contrário, para dar transparência e facilitar a sua revisão quando necessário.

Porém, mesmo quando o marco lógico não tiver sido adotado na etapa do planejamento, ele pode ser bastante útil na avaliação. Ainda mais ultimamente, tendo em vista os novos contornos que os projetos sociais vêm assumindo na maioria das organizações do terceiro setor: (i) o projeto é quase que uma linha de ação da organização, de duração continuada; e (ii) não há um grupo único de beneficiários do projeto; ao contrário, está prevista a entrada e saída de participantes à medida em que vão completando o seu ciclo no projeto.

Suponha um dado projeto social que já esteja em vigência há alguns anos, e que em determinado momento a organização precise avaliá-lo: ou por razões estratégicas da instituição, ou por motivos de gestão do projeto, ou porque precise prestar contas dos resultados para o(s) financiador(es). Nesse caso, o marco lógico pode ser bastante útil, na condição de ferramenta para animar a reflexão dos gestores do projeto para eles recuperarem a “teoria da mudança” da intervenção, que até então estava subentendida “na cabeça” dos públicos envolvidos e, com isto, permitindo a sua formalização.

Nas organizações sociais que tenho acompanhado, vejo que essas discussões tardias com base no marco lógico têm se mostrado como um processo enriquecedor para os gestores. É uma oportunidade para eles repensarem os objetivos do projeto, isto é, se eles estão explicitados de forma precisa e avaliável, se eles seguem sendo válidos e se as ações em andamento estão compatíveis com os resultados pretendidos.

Assim, quando adotado apenas no contexto da avaliação, o marco lógico cumpre o papel de arcabouço central para explicitar a lógica de atuação vigente para o projeto naquele dado momento, com a definição dos seus componentes, o entendimento do que eles significam e a relação entre eles. A partir desse entendimento é que vão sendo delineados os principais desafios e tarefas a serem trabalhados na avaliação. Que, diga-se de passagem, não chegam a ser diferentes dos desafios e tarefas identificados quando a ferramenta é utilizada na etapa do planejamento. Senão, vejamos alguns deles:

Conceitos abstratos e intangíveis – Na maior parte dos projetos sociais, os seus objetivos de resultados estão baseados em conceitos abstratos e intangíveis, como autoestima, capital social e bem-estar. É preciso avançar para que se tenha um entendimento comum acerca dos conceitos adotados, e como eles devem ser operacionalizados em indicadores. Uma primeira alternativa é fazer uma pesquisa para verificar se já existem “ferramentas de prateleira” válidas que possam ser trazidas/adaptadas ao projeto.  Outra  alternativa é a própria organização, com o apoio da comunidade-alvo da iniciativa e/ou de especialistas, desenvolver a sua própria ferramenta, feita “sob medida”.

Perguntas avaliativas – Em relação a cada objetivo que está definido para o projeto, seja de resultado ou processo, as perguntas avaliativas têm o papel de delimitar o que é relevante levantar durante a avaliação. Se forem questões “datadas” relacionadas a certos aspectos do projeto, podem ser construídos e aplicados questionários junto aos públicos do projeto, nos momentos avaliativos adequados. Se forem questões que merecem um acompanhamento regular, elas devem estar contempladas na base de dados dos participantes ou no sistema de gestão da instituição.

Marcos avaliativos – Também conhecidos como metas desejadas. Não basta coletar as informações que vão alimentar os indicadores selecionados para os objetivos do projeto. É preciso definir a priori os critérios para julgar as informações que forem apuradas, para isto levando em conta o contexto social e também ouvindo os gestores, os demais públicos envolvidos e especialistas. Aqui vale lembrar que avaliar não é apenas descrever, mas é apresentar conclusões que devem ser úteis para orientar na condução do projeto.

Base de dados do projeto a nivel do participante – Ao longo da discussão do marco lógico, é comum verificar que várias das informações relevantes para acompanhar o projeto já vêm sendo levantadas pela organização. Só que estas se encontram dispersas, sem chance de poderem ser úteis para uma análise abrangente sobre o projeto. Como exemplos: informações que caracterizam quem é o beneficiário do projeto, a sua trajetória no projeto/organização, ou ainda a sua situação pré e pós-projeto. São informações básicas do universo dos participantes que, se forem adequadamente sistematizadas em uma base de dados, viabilizam uma primeira aproximação avaliativa acerca, respectivamente, da focalização do projeto, de como está se dando a relação/intensidade dos participantes com o projeto e dos resultados atingidos.

Se o projeto dispuser de uma boa base de dados a nível do participante, isso permitirá aos seus gestores, a qualquer momento, consolidar e avaliar as informações para o conjunto ou subconjunto (grupos) de participantes, segundo indicadores básicos selecionados. Atualmente, muito poucas organizações sociais dispõem de tal base de dados.

Resultados e causalidade – Tradicionalmente em avaliação social, a estimativa da causalidade do projeto para os resultados de impacto é feita por meio de complexos métodos estatísticos experimentais. Porém, as organizações sociais em sua maioria não estão preparadas para executar esse tipo de pesquisa, nem para encomendar ou usufruir dela devidamente.

Ultimamente há uma corrente de avaliadores que vem trabalhando na linha da avaliação de impacto não experimental. A ideia é que a causalidade das iniciativas sociais possa também ser evidenciada por meio de perguntas avaliativas diretas aos seus participantes,  para levantar (i) a influência de outros possíveis fatores explicativos; e (ii) o modo como as mudanças se deram, para verificar se os resultados encontrados são coerentes com as ações realizadas.

Concluindo, o ideal é poder fazer uso do marco lógico desde a concepção e o planejamento da intervenção social. Porém, quando não for possível, o marco lógico também pode ser bastante útil se introduzido para apoiar o monitoramento e a avaliação de resultados, mesmo com os projetos já em andamento.

Maria Cecília Prates Rodrigues é autora dos livros  Ação social das empresas privadas: como avaliar resultados? (FGV, 2005) e Projetos sociais corporativos – como avaliar e tornar essa estratégia eficaz (Atlas, 2010). Professora-convidada do programa de Parceria com Organizações Sociais (POS) da Fundação Dom Cabral (FDC). Site: www.estrategiasocial.com.br

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