Mentalidade de líder

Mentalidade de líder

Por trás de uma empresa sustentável sempre há um líder sustentável. Porém, ainda existe um “reino inexplorado em mentalidades de liderança, que inclui a natureza de seu desenvolvimento e a correlação entre o espírito líder e a realização de metas sustentáveis complexas”. A afirmação consta do relatório A Liderança e o Desafio Corporativo da Sustentabilidade, da organização americana Avastone Consulting.
Baseado no estudo qualitativo Avastone Corporate Sustainability Study (ACSS), que avaliou a sustentabilidade de dez empresas mundiais – algumas reconhecidas como ícones no tema -, o documento destaca os resultados da experiência dessas corporações, revelando um quadro com diferentes graus de realização composto por etapas (ou “engrenagens”) da sustentabilidade.
Em entrevista à Ideia Sustentável, John D. Schmidt, presidente e CEO da Avastone, fala sobre o processo de desenvolvimento de líderes com mentalidades avançadas e como esses indivíduos podem impulsionar a cultura dentro das organizações, fazendo-as avançar por um caminho sustentável.
O perfil de um líder inovador
Primeiramente, devemos entender realmente o significado do termo mindset. A palavra é frequentemente mencionada na área de sustentabilidade, mas de forma limitada ou inadequada, deixando de lado seu rico leque de potencialidades. Mindset refere-se a padrões mentais interiores – ou quadros de referência – a partir dos quais os indivíduos vêem o tema e sua importância. Pesquisas sobre desenvolvimento também usam, alternadamente, expressões como sistemas de construção de significado, ações lógicas e modelos mentais.
Essa mentalidade se desenvolve de duas maneiras – horizontal e verticalmente.  O desenvolvimento horizontal refere-se à expansão das capacidades por meio do aumento no conhecimento, e das habilidades associadas a uma mentalidade corrente. O desenvolvimento vertical está associado à capacidade de mudança no modo de construção de significado de um indivíduo para uma mentalidade mais complexa, ampla e expansiva – refere-se à forma como o indivíduo aprende a enxergar com novos olhos, muda a sua interpretação do que é vivenciado e transforma sua visão da realidade. Também descreve um aumento na preocupação com o tema, e, por consequência, sua influência para disseminá-lo.
Quando nos referimos a mentalidades avançadas, estamos falando de um processo de evolução em fases, por meio do qual a construção de significado ou modelo mental de uma pessoa se expande – na essência, uma evolução de pontos de vista mais limitados para pontos de vista mais expansivos.  Por exemplo, a mentalidade do líder evolui de um estágio de orientações mais tradicionais (usando a linguagem dos teóricos do desenvolvimento) como diplomatas, leais a grupos escolhidos — à de experts, que demonstram conhecimento especializado e expertise para encontrar respostas. Num terceiro estágio, estão os empreendedores, direcionados ao sucesso de metas e à vitória do jogo.
Os mindsets evoluem, depois, para etapas mais avançadas de humanistas –quando passam a reconhecer o relativismo das posições e percebem que as coisas não são exatamente como crêem – a estrategistas – estágio de reinterpretação e reestruturação de situações com foco na própria atualização e na dos outros – até chegar aos alquimistas, integradores de múltiplos conhecimentos à percepção de que o mapa não é o território.
Não há um perfil específico de um líder na última fase, mas mentes avançadas refletem essa evolução em visões e criação de sentido. Esses líderes podem ser caracterizados pelo amplo desenvolvimento da autoidentidade e cognição, aspectos que evoluem e expandem-se conforme as capacidades mentais atingem os reinos de estrategista e alquimista.
Em termos práticos, o líder em estágio avançado possui as capacidades necessárias para catalisar mudanças revolucionárias, conectando princípios gerais a estratégias e sistemas dinâmicos de interação. Eles constroem novas estruturas fundamentais e buscam a mutualidade, reconhecendo a interdependência dos relacionamentos, gerando transformações – muitas vezes nos bastidores – e integrando os domínios material, social e espiritual. Além disso, honram e integram diferentes perspectivas e visões de mundo, coordenando a interação entre elas e seu interior.
O sucesso está na mente
A relação entre a mentalidade das lideranças e o sucesso dos negócios sustentáveis pode ser um componente-chave para a evolução ou estagnação do progresso do tema no meio corporativo. A relação agrega duas dimensões pouco consideradas na área socioambiental: a correspondência entre os níveis de complexidade das ações sendo endereçadas e a capacidade dos líderes para entender e mobilizar no sentido de lhes dar suporte. Mentalidades avançadas de liderança atendem com mais frequência às necessidades e demandas de desafios poderosos enfrentados na jornada da sustentabilidade.
Uma contextualização pode revelar essa perspectiva de forma mais completa. As ações em sustentabilidade, como as conhecemos, crescem em escala, escopo e complexidade assim como a necessidade de integração por meio dos limites conforme sua progressão ao longo do tempo – tomo como base cinco engrenagens, como um modo de descrever efetivamente o acúmulo de envolvimento e necessidades.
A engrenagem 1.0 trata sobre a necessidade corporativa do cumprimento de leis e regulações existentes – no qual o case para a sustentabilidade é percebido pelo conhecimento limitado de grandes questões sociais. A engrenagem 2.0 reflete um impulso voluntário, com empresas percebendo que a agenda sustentável é legitima – e uma ênfase central estabelecida por meio de metas de redução de impacto e esforços em ecoeficiência.  Na engrenagem 3.0, denominada parceria, o processo avança com o reconhecimento de que a sustentabilidade bem feita somente é possível por meio do envolvimento dos outros, incluindo atores externos.
Nessa etapa as atenções se expandem para incluir desenvolvimento conjunto de soluções entre cadeia de suprimentos, ONGs, com gestão pró-ativa de riscos e clara atenção para a reputação sustentável visando ao futuro. Na engrenagem 4.0, de integração, dá-se um grande passo no sentido de tornar o tema realmente estratégico, conectado a ambos os aspectos de vantagem competitiva e expectativas sociais mais amplas, o que inclui o desenvolvimento de uma orientação cultural para a sustentabilidade como um todo – o tema é incorporado, e não agregado.
Já no nível da engrenagem 5.0, de redesign, o reconhecimento de que questões sustentáveis do planeta não podem ser endereçadas apenas por organizações de negócios ou governos sugere que as empresas têm papel e responsabilidade de contribuir com sistemas de mudança em larga escala; também elimina as desculpas para não ser sustentável com o envolvimento no remodelamento fundamental de paradigmas, regras do jogo, e redesenho de estruturas institucionais, de mercados e governos.
As capacidades de um líder em estágio mais avançado – e o modelo mental que o forma – preenchem mais aproximadamente as demandas das engrenagens 4.0 e 5.0 – esses líderes possuem visão mais ampla, pensamento sem limitações e a capacidade de ver sistemas, sistemas de sistemas e metassistemas, que constituem os esforços para as engrenagens mais altas, demandando um leque maior de perspectivas na compreensão e ação do líder.
As primeiras etapas exigem o que podemos considerar mais básico, habilidades e conhecimentos de negócios tradicionais. Já os níveis avançados demandam capacidades de ponta – é quando ver e participar de várias perspectivas torna-se algo central para integração, progresso e mudança do comprometimento com a sustentabilidade como um todo.
Liderança, valores e cultura X sistemas operacionais
Os sistemas são essenciais, mas não suficientes por si mesmos para apoiar as metas e objetivos de sustentabilidade de uma empresa. É necessária uma ênfase baseada em sistemas e pessoas – uma atenção integrada à cultura e valores, mentalidades e comportamentos. Também é necessário diferenciar as perspectivas subjetiva e objetiva (dimensões interiores, tangíveis e intangíveis, e dimensões exteriores) trazendo claramente a atenção para o entendimento e ação integrada no processo de mudança para a sustentabilidade. O estudo da Avastone demonstrou, por meio de pesquisa com empresas-chave ao redor do mundo, que os fatores para o sucesso refletem uma contribuição de 60% dos sistemas e de 40% da cultura, mentalidade e comportamento – todos ativados por meio de um ingrediente essencial: a liderança.
O desenvolvimento de líderes demanda foco horizontal e vertical. A maioria dos esforços educacionais – tanto em escolas de negócios quanto em universidades corporativas – tem ênfase horizontal. O ensino é focado no desenvolvimento de conhecimentos básicos, entendimento de questões de sustentabilidade e habilidades tangíveis necessárias para o suporte da área. Esses esforços educacionais com ênfase horizontal são importantes para o sucesso e muitos exemplos estão emergindo em universidades tradicionais ao redor do mundo.
Mas a vanguarda do desenvolvimento ainda está na abertura do campo de possibilidades para o crescimento vertical, que ocorre por meio de métodos de ensino diferentes dos convencionais e inclui (entre outras características) práticas de longo prazo, autoinvestigação, diálogo e dialética e engajamento com stakeholders. Novos programas para ajudar os líderes a crescer verticalmente estão surgindo em todo o mundo, muitas vezes descritos por terem uma orientação e liderança integral (confira mais informações dos programas Generative Change Agents e Integral Leadership em ideiasustentavel.com.br).
Além disso, a Global Transforming Ensemble, uma colaboração de agentes de transformação para mudança – da qual sou também integrante – está envolvida em novas pesquisas nessas áreas. Há uma clara necessidade de conectar diretamente capacidades avançadas de liderança com a cultura da organização.
Para chegar às engrenagens 4.0 e 5.0, a empresa deve desenvolver culturas compatíveis às suas exigências e ir além da “dependência” e “independência” – chegando à interdependência. Algo mais fácil de falar do que fazer. O desenvolvimento de culturas interdependentes só é possível quando mentes de liderança avançadas estão no local para fornecer o “pé direito” necessário para apoiar a mudança.
Sem esse “pé direito” e suas capacidades mentais avançadas não é possível desenvolver culturas verdadeiramente interdependentes, pois são esses líderes que possuem as habilidades centrais necessárias para preencher estrategicamente os avanços nas engrenagens e a evolução da cultura organizacional. Em seu novo livro Transforming Your Leadership Culture, John McGuire usa bons exemplos de empresas – não especificamente orientados para a sustentabilidade, mas no conjunto para o avanço da cultura de liderança.
O caminho para estágios avançados
Temos algumas sugestões em nosso estudo sobre como as empresas podem acessar e endereçar seus esforços para uma evolução nos estágios da sustentabilidade. Diversos elementos podem ser incorporados, estabelecendo um quadro claro de “onde estamos agora” com foco direto sobre “onde precisamos estar”, baseado em avaliações da realidade atual por meio de: mapeamento de progresso na estrutura de engrenagens com análise de todos os quadrantes (isto é, sistemas e pessoas); determinação da mentalidade atual dos líderes e suas visões de mundo em toda a organização; alinhamento da sustentabilidade com a estratégia de negócios usando metodologias que melhor se adaptem; mobilização de esforços dentro da organização. Nesse contexto, a liderança – como todos os participantes no estudo refletem – é o ingrediente necessário, sem o qual o sucesso na efetivação dos níveis 4.0 e 5.0 será limitado e, possivelmente, não exequível.
Nesse âmbito, dois elementos do processo podem servir como vias essenciais para seguir em frente: descobrir novas oportunidades de expansão dos líderes, visando envolver CEOs sêniores em um exercício reflexivo e analisando as perspectivas de indivíduos em fases avançadas; e iniciar esforços claros e com suporte para levar o desenvolvimento vertical à educação e aos esforços de desenvolvimento da organização.

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