Matthias Stausberg

Matthias Stausberg

Por Cristina Tavelin

Afinando o diálogo

Nos últimos 20 anos, muita coisa mudou na relação entre empresas, organizações não governamentais, comunidades e consumidores. O diálogo, antes feito pelo viés do conflito, agora passa por um momento mais amistoso na busca de soluções para grandes dilemas da sociedade.

O Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) tem integrado esse movimento.

A plataforma global reúne companhias e promove práticas empresariais sustentáveis com base em dez princípios que abrangem as áreas de meio ambiente, direitos humanos, trabalho e combate à corrupção. Possui cerca de 6.200 signatários em 130 países – entre eles, 256 empresas brasileiras.

Em recente passagem pelo Brasil, Matthias Stausberg, porta-voz do Pacto Global, conversou com Ideia Sustentável sobre questões primordiais para o avanço da sustentabilidade nos negócios, como liderança, engajamento e gestão inovadora.

Ideia Sustentável: Como os líderes podem estimular e engajar colaboradores para a sustentabilidade? Quais características e valores eles devem ter?

Matthias Stausberg: Existem dois tipos de mobilização. A primeira, diz respeito à própria organização e seus colaboradores, na qual precisa haver um comprometimento da liderança para avançar a sustentabilidade a todos os níveis da empresa. Precisa-se de um certo tipo de liderança com capacidade para motivar as pessoas e ajudá-las a entender a importância do conceito dentro da área  em que atuam, com paixão e comprometimento. Essa é a qualidade clássica que qualquer líder deve ter – motivar seus funcionários a fazer as coisas bem.

O outro tipo de motivação está relacionado aos “pares”, outras empresas, pessoas, indústrias que precisam ter um direcionamento para a sustentabilidade em suas operações. Agora, a questão é o quanto realmente se consegue agir nesse sentido. O comprometimento e a crença da liderança nesses valores são realmente importantes, mas, quando falamos em parceiros, em movimentos “nas bordas”, há outros elementos, esforços e drivers tão necessários quanto uma visão elevada sobre o tema.

Sabemos pelos nossos esforços no Pacto Global que, para o avanço da sustentabilidade, precisamos de pessoas fiéis à causa, comprometidas e realmente de acordo que a sustentabilidade é o caminho certo a seguir. Entretanto, outros parceiros também precisam exercer seu papel – mercados financeiros, reguladores, consumidores. É uma mistura das qualidades da liderança e desses pares que ajuda a ampliar a escala da sustentabilidade.

IS: Como avalia o diálogo entre empresas e stakeholders – tem sido eficiente ou esse tipo de interação ainda está no início?

MS: Passamos por uma longa jornada na questão do diálogo – há cerca de 20 anos, não havia nem vontade para dialogar com stakeholders em muitas áreas de negócios. De ambos os lados, o clima era muito mais de confronto. ONGs afirmavam que “as empresas eram más”, e as corporações, em contrapartida, diziam: “Podemos ter uma discussão sobre nossos negócios, mas não fundamentada na sua ideologia”. Isso mudou com o passar do tempo.

A meta do Pacto Global sempre foi estimular um diálogo construtivo entre diferentes stakeholders. Acredito que, hoje em dia, cada vez mais empresas começam a perceber certas áreas de conhecimento nas quais podem contar com a expertise das ONGs. Por exemplo, uma mineradora pode saber retirar minerais do solo no Congo, mas não possui um bom entendimento sobre como suas operações influenciam os conflitos locais. Desse modo, as ONGs podem indicar cenários reais, pois têm experiência e entendem a dinâmica de conflitos e como as empresas os influenciam com suas operações de negócios.

Essa é uma mudança muito significativa – passamos de um direcionamento de conflito para um viés colaborativo. Ainda há muito confronto, sobretudo após a crise financeira mundial – há muitos sinais de novos dilemas emergindo. Entretanto, ONGs e empresas estão percebendo que, para solucionar desafios globais, precisam trabalhar juntas.

IS: Mas as empresas estão inserindo sugestões pertinentes a partir desse diálogo na estratégia do negócio ou permanecem no nível da escuta?

MS: Essa é uma ótima questão. Temos visto muitas ações de diálogo entre stakeholders, empresas buscando engajá-los nesse sentido. O ponto é saber trabalhar as expectativas dos grupos de interesse de acordo com a estratégia de negócios. Isso depende de aspectos como evolução do setor e riscos socioambientais enfrentados pela empresa.

Obviamente, na indústria de combustível ou petróleo, quando a companhia não ouve as demais partes interessadas, ignora as comunidades locais, pode ter impactos materiais significativos na performance, no longo prazo. Logo, integrar as expectativas dos grupos de interesse e suas preocupações dentro da estratégia da organização tem um impacto material para os negócios.

IS: Em termos de gestão, o que deveria mudar dentro das empresas para criar um ambiente mais propício a soluções criativas para a sustentabilidade?

MS: Acredito que muito já mudou, vemos formas de gestão que integram a própria noção de valor compartilhado – a ideia de que se pode criar valor para as comunidades e para o ambiente e operar gerando, ao mesmo tempo, valor à companhia. Também vemos empresas estabelecendo uma visão estratégica e central de sustentabilidade.

Muitas delas são novas, claro, mas há negócios mais tradicionais, grandes players da indústria fazendo investimentos significativos em estratégias verdes, como a General Electric, por exemplo. Isso é significativo porque as empresas estão começando a perceber que a sustentabilidade não trata apenas de minimizar riscos e evitar custos, mas sim de novas oportunidades para desenvolver produtos e serviços para necessidades urgentes.

Vemos, no momento, muitos comitês de gestão de funcionários e empresas traduzindo sua visão de sustentabilidade para colaboradores de forma que eles enxerguem a importância do conceito em cada uma das áreas. Dessa forma, o tema torna-se parte do DNA da corporação. No fim das contas, as organizações sustentáveis mais avançadas são aquelas capazes de eliminar departamentos de sustentabilidade porque todas as áreas da empresa sabem como o tema está relacionado a ela, não precisam mais de um coordenador central específico. Mas isso requer muitos mecanismos, abertura e espaço para criatividade e feedback.

IS: Peter Senge afirma que, para uma organização avançar em termos de sustentabilidade, precisa de lideranças engajadas em todos os níveis. Como os CEOs podem identificar esses profissionais?

MS: Às vezes, há uma competição que estimula o avanço da sustentabilidade ao topo; em outras, é realmente uma questão de tempo para as pessoas evoluírem. Mas vemos muitas lideranças e pessoas acreditando na sustentabilidade tanto por representar um case de negócios quanto por saberem que é o caminho certo a seguir. Frequentemente, os líderes encaram o tipo de dilema que coloca sua crença à prova – quando nenhuma outra empresa do setor acha que uma ação sustentável é algo certo a se fazer ou ninguém mais está pondo em prática, como devo agir?

Isso é um desafio também porque grandes dilemas não podem ser resolvidos apenas por uma indústria ou por um líder – muitas vezes precisa-se de uma solução que envolva reguladores, promoção de incentivos, recompensa de boas práticas. Essa é uma questão muito profunda.

Não há duvida de que a sustentabilidade corporativa seja uma questão de liderança. Talvez algum gestor esteja realmente comprometido em iniciar o CEO no tema, mas, no sentido de trazer às organizações as oportunidades, esses compromissos precisam ser assumidos no topo – pois sustentabilidade requer uma transformação profunda da cultura organizacional, dos relacionamentos, estratégias e operações.

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