Moratória para o investimento social privado

Moratória para o investimento social privado

Com a crise econômica mundial, muitas empresas brasileiras glosaram seus investimentos sociais. Não há –é claro—números “oficiais.”, até porque este é um assunto sobre o qual não se gosta de falar. Mas analistas consultados por esta coluna estimam uma redução média entre 30% e 40% dos recursos aplicados em projetos sociais e ações de institutos e fundações.
Fatos como este costumam repartir opiniões. Por um lado, reforçam a posição crítica dos que não acreditam que empresas investem no desenvolvimento de comunidades por convicção ética ou senso de responsabilidade, mas sim pela conveniência da preservação da imagem, da política de boa vizinhança e das relações institucionais eficazes. Por outro, contam com a tolerância do que crêem na firmeza dos propósitos empresariais, mas compreendem que, em tempos de escassez de crédito e ameaça ao emprego, é melhor cortar o menos possível, em nome da estabilidade, do que encerrar a ação social.
E o que será que pensam os consumidores brasileiros, cada vez mais atentos aos compromissos e práticas sustentáveis de empresas, sobre a redução dos investimentos sociais? A Market Analysis inseriu essa questão em sua pesquisa anual denominada Monitor de Responsabilidade Social Corporativa 2009, um dos mais importantes painéis brasileiros do tema, cujos resultados foram publicados recentemente, com exclusividade, na revista Ideia Socioambiental.
Ante à pergunta se é aceitável que uma corporação reduza o apoio prestado às comunidades em situação de crise financeira, os consumidores brasileiros ficam divididos. Seis em cada dez (60,7%) mostram-se tolerantes e acham que sim, mas destes apenas 21,7% são enfáticos na posição (concordam totalmente com a afirmação). Os contrários a qualquer tipo de corte ou sem opinião formada sobre o assunto correspondem a quatro entre dez consumidores (39,3%).
Para o cientista político Fabián Echegaray, diretor da Market Analysis e um estudioso do tema, a análise contextualizada desses dados, com o reforço do que vem sendo capturado na série histórica do painel, endereça uma mensagem relevante aos presidentes de empresas que já cortaram ou estão prestes a cortar investimentos sociais: o consumidor considera legítimo um “ajuste fino” pontual nos empreendimentos socioambientais, mas não a sua extinção.
Segundo o estudo, o grupo mais numeroso de consumidores favoráveis à redução (39%) adota uma postura de tolerância parcial e condicionada ao cenário difícil, o que significa, na prática, uma adesão sob certas condições críticas. Na opinião de Echegaray, o consumidor brasileiro está disposto a aceitar uma “moratória parcial em termos de intensidade das ações até 2008, mas de caráter temporário, na expectativa de que a crise também se reverta no curto prazo”.
Reforça essa conclusão um outro dado da pesquisa que relaciona a aceitação da tal moratória com a percepção do timming da recuperação econômica. Entre os que acham que a crise vai acabar no curto prazo (seis meses)  há 35%  mais chances de aceitar a diminuição dos orçamentos destinados a projetos sociais do que os que projetam o fim da recessão para um horizonte de dois ou três anos. De acordo com Echegaray, o brasileiro demonstra enorme indulgência quanto ao discurso econômico como eixo organizador das decisões coletivas. Nesse sentido, sua posição condescendente a favor do corte momentâneo dos investimentos sociais afina-se, de algum modo, com a retórica de alguns governos e líderes empresariais de que, em nome da urgência de reaquecer as economias, os esforços sustentáveis podem ficar para depois.
Vale ressaltar que o os consumidores favoráveis à moratória parcial admitem a supressão de ações isoladas, como, por exemplo doações ou projetos externos, mas não atividades relacionadas à gestão de risco socioambiental, ética e governança corporativa, bom tratamento aos funcionários e organização de uma cadeia produtiva sustentável. O consumidor ético está atento e ainda mais crítico.  Ainda é uma minoria os que costumam usar como critério em suas compras a performance sustentável das empresas. Mas entre eles, 43% não toleram nem mesmo a moratória parcial.
Um alerta para as empresas que podem enxergar na crise o pretexto para adiar demais seus investimentos socioambientais: esse expediente aumenta o risco de se desligarem dos consumidores mais éticos (exatamente os que serão maioria no futuro), de desperdiçarem qualquer vantagem competitiva futura baseada em bom desempenho socioambiental registrado até aqui e, o que é pior, serem vistas como cínicas e oportunistas. Quem arrisca?

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