Estudo NEXT – RH: A sustentabilidade e a porta de entrada

Estudo NEXT – RH: A sustentabilidade e a porta de entrada

Por Françoise Trapenard

Existem dois testes de integridade para a área de Recursos Humanos na construção de uma relação coerente e consistente entre os colaboradores e a empresa: a contratação e a demissão.

Na contratação, testamos se todas as palavras e promessas das entrevistas de fato se efetivaram quando da entrada do colaborador na empresa. E, na demissão, testamos se a relação manteve presentes o respeito e a simetria até o final. Dois testes complexos, porque não dependem apenas do desejo explícito da área, mas, principalmente, da sua habilidade em modelar um processo que alinhe seus profissionais, os fornecedores externos, a liderança da empresa e, finalmente, o colaborador em questão.

Neste texto trataremos apenas da contratação, do momento no qual o novo vínculo é formado. À luz da sustentabilidade e da provocação explicitada na imagem de motorista ou passageiro para a área de RH, surge um paradoxo: fala-se tanto de vínculo, neste momento, mas se dá tão pouco valor ao processo que tece o primeiro fio entre o colaborador e a empresa. Por quê? O que fez com que a área de Recrutamento e Seleção perdesse glamour e passasse a ser algo operacional, de segunda categoria? A pesquisa realizada por Ideia Sustentável traz um resultado alvissareiro quando inclui na lista de dez tendências justamente o processo “patinho feio”. A sustentabilidade exige essa revisão por conceber o RH de forma realmente sistêmica e, fazendo isso, reconhecer a importância da porta de entrada, já que é por ela que tudo começa.

Um RH “motorista” da sustentabilidade na empresa deveria então repensar o processo de contratação, tanto do fundo (“quem contratar”) quanto da forma (“como contratar”).

Falemos primeiro do fundo, da razão de ser da área de Recrutamento e Seleção: identificar e atrair as melhores pessoas para a empresa. Podemos afirmar, sem medo de errar, que 100% dos líderes querem as melhores pessoas para a sua organização. Essa afirmação é verdadeira desde as guildas de artesãos da Idade Média. Só uma coisa mudou muito e continuará mudando sempre: a definição de quem é a melhor pessoa. Para fazer parte de uma guilda, as características e capacidades eram bem diferentes das que se esperam hoje nas grandes corporações. Todos queremos o melhor alvo, mas o alvo é móvel. Estamos prontos para identificar candidatos com essa flexibilidade?

De nada adianta termos o nosso candidato ideal se ele não nos considera a empresa ideal. Identificar é um grande desafio, mas atrair é outro maior ainda, atualmente. Acostumados a décadas de abundância de mão de obra, pouco olhávamos para a oferta. Estávamos seguros de que sempre teríamos dezenas de candidatos para as nossas posições. Até que dois fenômenos se combinaram: o Brasil passa por um ciclo de crescimento e praticamente alcança o pleno emprego, e os jovens passam a buscar carreiras com significado: para além de posição e remuneração, eles querem empresas com valores compatíveis com os deles. Estamos prontos para atrair com essa exigência?

Não nos enganemos: a preocupação com a sustentabilidade só vai aumentar. Em maior ou menor grau, com maior ou menor agilidade, não importa, a tendência do movimento é crescente. E isso vale para as pessoas, cada vez mais preocupadas com o significado de suas vidas; para os clientes, cada vez mais interessados nos valores defendidos pelas marcas que consomem; para os governos, cada vez mais reguladores das operações das empresas; e para os mercados financeiros, cada vez mais interessados em ações de empresas sustentáveis.

Se é assim, nossos candidatos estarão cada vez mais preocupados em quem nós somos na essência. Só a aparência não bastará mais para a atração. É claro que a posição e a remuneração ajudam. Não há por que ser ingênuo. Mas o propósito da função e sua relevância na construção de uma causa vão definir mais e mais a escolha de empresa ideal para aquele candidato que tanto queremos. É importante notar que esse alinhamento de valores no processo de entrada na empresa também cria um círculo virtuoso: precisamos de pessoas que se espelhem na cultura interna que queremos construir para que ela de fato se manifeste, para além das palavras, em ações e em decisões que os colaboradores tomam. Atrair aqueles que se identificam com a empresa é o melhor garantidor de solidez da cultura organizacional.

A contratação se efetiva por meio de um binômio: um perfil da posição e uma estratégia de verificação com o candidato. A meta é o melhor encontro possível do perfil com as capacidades. O par ideal. Parece tão simples e ainda assim quantos pares equivocados são formados todos os dias? Tudo começa com a definição do perfil. Mas um perfil projetado a partir do conhecido e do passado não leva em conta as mudanças permanentes e profundas que as empresas estão promovendo todos os dias. Quem não conhece alguém que entrou em uma empresa e mudou de chefe e de área antes de terminar o contrato de experiência? A sustentabilidade, aqui, pede uma revisão do modelo mental para incorporar novos atributos de fluidez e de mobilidade das organizações. Ou seja, definir um perfil para as necessidades emergentes da posição, um perfil que exprima os desafios futuros e que dê muito mais importância para as habilidades e menos para os conhecimentos.

Esse perfil, com contornos mais flexíveis, pressiona a estratégia de verificação com o candidato e a força a ir além de entrevistas apressadas e superficiais ou testes psicológicos interpretados de forma rasa. E se substituíssemos tudo isso por tempo com qualidade e transparência com o candidato? Como seria se os entrevistadores do RH conversassem longamente sobre o bom e o difícil daquela organização e daquele candidato? Como seria se o líder dedicasse atenção e tempo à pessoa que está à sua frente? Tão simples, mas nem por isso fácil, já que tempo é o que menos temos a dispor atualmente. No entanto, o melhor sinônimo de sustentabilidade, para mim, é conexão. E as entrevistas são o momento privilegiado para que essa conexão comece a se estabelecer. Não dá para ter pressa nem falta de atenção.

E é só isso? Não, ainda falta a forma pela qual esse processo é conduzido. Uma visão de sustentabilidade também é fundamental no como contratar, na qualidade de todas as suas etapas. Olhemos para o local das primeiras entrevistas. Esse ambiente reflete os valores da empresa? Foram tomados os cuidados com os móveis, a decoração e até a limpeza? Se a primeira impressão é a que fica, é preciso verificar se estamos causando a impressão que queremos. Outros pontos cruciais para a qualidade do processo: a senioridade do entrevistador do RH, a pontualidade das entrevistas e o feedback de resultados. Uma coisa é certa: o candidato avalia cada um dos pequenos detalhes para se certificar da consistência entre o que dizemos e o que fazemos. Da mesma forma, ele também está sendo avaliado. O par ideal depende muito deste walk the talk mútuo.

Para tanto, é preciso conceber um processo que reconheça que as duas partes estão em equilíbrio de forças: o candidato precisa da posição tanto quanto a empresa precisa dele. Esse novo olhar equitativo muda a crença ainda presente no poder maior da empresa, algo que, além de ser cada dia menos verdadeiro, também subjuga qualquer tentativa de implantar processos sustentáveis nessa área. Como sair dessa armadilha? Só um olhar sistêmico sobre o processo permitirá implantar soluções que levem a sustentabilidade em conta. Caso contrário, ficaremos presos em dinâmicas de custo de curto prazo, sem alternativas para os problemas reais que enfrentamos.

Françoise Trapenard é diretora de Desenvolvimento Sustentável da Associação Brasileira de Recursos Humanos – ABRH.

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