A ascensão do capital humano

A ascensão do capital humano

O surgimento e a ascensão do capital humano

Por John Elkington

Países e empresas que lideram os índices globais de desenvolvimento e atratividade para os investidores têm trabalhado sobre como apostar em pessoas. Uma conclusão a ser tirada desse fato é que as empresas, as economias e os capitalistas de amanhã terão de melhorar muito, tanto para investir nos seus próprios colaboradores quanto, indiretamente, por meio dos impostos que pagam ao governo ou de programas de educação e formação que apoiam para a sociedade em geral.

Aqueles que trabalham nessa área muitas vezes – e cada vez mais – falam sobre capital humano. Mas é interessante notar que esse é um conceito útil aos negócios, mas também um pouco controverso.

A controvérsia tem raízes longínquas. Quando, por exemplo, Karl Marx estava vivo e ativamente incentivando os trabalhadores do mundo a se unir e tomar os meios de produção, a ideia básica era que os interesses do capital em geral, e muitas vezes de forma sistemática, ultrapassavam os interesses do trabalho. Sua visão era de que, no final, haveria uma série de revoluções em todo o mundo, com a classe trabalhadora assumindo o poder.

Eventos subsequentes mostraram que ele não estava longe de atingir esse marco, com grandes países como a Rússia e a China se tornando superpotências comunistas, pelo menos por um tempo. Então, ele provavelmente ficaria horrorizado ao ouvir que os capitalistas cada vez mais poderosos de hoje não só são ouvidos em todo o mundo mas também se referem aos seus funcionários como “capital humano”.

Certamente, há muitas características sociais e políticas do mundo de hoje com as quais Marx poderia facilmente se preocupar. Entre elas estariam as crescentes disparidades da distribuição de renda ao redor do globo. Apesar do otimismo de muitos empresários e investidores da nova economia, e da combinação do surgimento de novas indústrias de alta tecnologia (não apenas no campo de TI), a crise econômica mundial prolongada reforçou maciçamente as disparidade entre os que têm e os que não têm, em muitos países desenvolvidos. E Marx e seu colega Engels, sem dúvida, estariam chocados ao ver a persistência da existência mundial de uma maciça subclasse de bilhões de pessoas sem acesso fácil e preços razoáveis às necessidades básicas, como energia, água potável ou aos mais recentes medicamentos.

Mas pense nisso da seguinte forma: em um mundo onde o capitalismo está em ascensão, e no qual os capitalistas enxergam como sua principal tarefa proteger e aumentar o capital, certamente faz sentido tentar converter pelo menos alguns aspectos do que as pessoas fazem no trabalho, em termos econômicos, e incluí-los nos balanços das nossas economias e empresas.

É verdade que muitas pessoas à esquerda do espectro político veem o capital humano como uma contradição, um esforço para reduzir as pessoas a um tipo de avaliação econômica, normalmente aplicada a ativos como fábricas e máquinas. Mas os otimistas podem argumentar que a própria existência do conceito e sua crescente popularidade são sinais de que o capitalismo também está sob pressão das questões ambientais, sociais e de governança. E que, como resultado, mais de 130 anos depois da morte de Marx, o modelo capitalista mostrou-se mutante e pode se adaptar a realidades muito diferentes.

Olhe pela lente dos otimistas e verá evidências de progresso no mundo na contabilidade. É verdade, os contabilistas são revolucionários improváveis. Pela sua própria natureza e formação, trata-se, na grande maioria, de pessoas conservadoras, incentivadas a olhar para trás em vez de para a frente. A contabilidade criativa raramente é apoiada, pois pode provocar o caos no mundo dos negócios e das nossas economias. Contadores profissionais buscam resumir informações relevantes em números financeiros, com qualquer coisa que não pode ser quantificada; dessa forma, qualquer informação que não pode ser medida dessa maneira é susceptível de ser desviada para as margens ou as “letras pequenas” (rodapé?), na melhor das hipóteses. Eles operam um sistema que não projetam, mas no qual eles próprios se veem não apenas como operadores profissionais mas também como parte de uma linhagem de guardiões da confiança.

Mas é claro que, mesmo assim, o campo da contabilidade está passando por uma mudança essencial de paradigma. Uma maneira pela qual essa mudança se manifesta é a crescente utilização de termos como contabilidade “ética”, “social” ou “ambiental”, ou contabilidade “custo total”, pelas linhas de double, triple e até mesmo quadruple bottom lines.

Líderes de negócios – e, como resultado, um número crescente de contadores – cada vez mais devem medir a criação e o uso de um espectro mais amplo de novas formas de capital. Tradicionalmente, é claro, essas têm sido as formas físicas e financeiras mais bem conhecidas do capital, mas nos últimos anos temos visto um “empurrão” para uma consideração mais sofisticada do capital humano e intelectual, e agora tanto para o capital social quanto para o natural.

Então, vamos analisar um desses novos tipos de capital – a variedade humana. A crescente diversidade de especialistas – de economistas acadêmicos a profissionais de Recursos Humanos nas empresas – vê o capital humano como um dado adquirido. “A escolaridade, um curso de formação em informática, as despesas com assistência médica e palestras sobre as virtudes da pontualidade e honestidade também são capitais”, explica o professor Gary Becker, da Universidade de Chicago. “Isso porque esses aspectos aumentam os lucros, melhoram a saúde ou adicionam bons hábitos ao profissional que serão levados para a maior parte de sua vida”, continua ele.

Como resultado, os economistas consideram os gastos em educação, treinamento, assistência médica, e assim por diante, como investimentos em capital humano. “Considera-se isso como capital humano porque as pessoas não podem ser separadas de seus conhecimentos, habilidades, saúde ou valores da mesma forma como podem ser separadas de seus ativos financeiros e físicos”, diz o professor.

Para uma melhor noção do que isso significa na prática, vamos concentrar em uma das tendências mais importantes de emprego nas últimas décadas. Uma das maiores mudanças no mercado de trabalho nos países desenvolvidos tem sido a crescente contribuição feminina.

Entre outras coisas, o enorme aumento na atividade econômica das mulheres casadas tem sido um foco impressionante de mudança ao longo dos últimos 25 anos. “Muitas mulheres agora ficam pouco tempo fora de seus postos de trabalho, até mesmo para ter filhos”, observa o professor Becker. “Como resultado, o valor de mulheres com habilidades de mercado tem aumentado muito e elas estão ignorando campos antes ‘tradicionais’ a elas para trabalhar em Contabilidade, Direito, Medicina, Engenharia e outras áreas que pagam bem.”

Pesquisas em várias partes do mundo sugerem que as oportunidades oferecidas pela economia moderna, juntamente com um vasto apoio do governo em educação, podem ajudar um crescente número de pessoas de origens mais pobres a se sair razoavelmente bem no mercado de trabalho. Mas pode igualmente ser verdade que exatamente as mesmas oportunidades que promovem a mobilidade ascendente para os mais pobres, também criam mobilidade descendente para alguns daqueles mais acima na escala de renda.

Pergunte aos economistas o que eles pensam sobre tudo isso e eles irão argumentar que grande parte do crescimento contínuo da renda per capita observado em muitos países, ao longo dos últimos dois séculos, tem sido devida à expansão do conhecimento científico e técnico. Essa tendência, eles concluem, aumenta a produtividade do trabalho e de outros insumos para o processo produtivo. E, em seguida, por sua vez, a crescente dependência da economia do conhecimento sofisticado reforça significativamente o valor da educação, do ensino técnico, do treinamento on the job e outras formas de capital humano.

O outro lado dessa tendência é que as novas tecnologias são de pouco valor imediato para os países com poucos trabalhadores qualificados para colocá-las em uso produtivo. Cada vez mais, os governos descobrem que o crescimento econômico depende de sinergias complexas entre novos conhecimentos e o capital humano.

Pense nas histórias recentes extraordinárias de países como Japão, Taiwan e China. Apesar de uma evidente falta de recursos naturais, os chamados Tigres Asiáticos cresceram rapidamente, garantindo que suas forças de trabalho, além de trabalhar duro, fossem bem-educadas e treinadas.

Uma vez que você começa a cavar tudo isso, torna-se rapidamente claro que já não estamos falando simplesmente sobre indivíduos, mas sobre as famílias, comunidades e culturas. Assim, por exemplo, nenhuma discussão adequada sobre o capital humano pode ignorar a influência das famílias sobre o conhecimento, as habilidades, saúde, valores e hábitos de seus filhos. Onde quer que você vá no mundo, é claro que os pais têm um enorme impacto sobre atributos como nível educacional, estabilidade conjugal, orientação de não fumar ou chegar ao trabalho na hora certa, e muitas outras dimensões da vida de seus filhos.

Assim, o conceito de capital humano é útil e sua definição está se expandindo para abarcar uma série de questões socioculturais mais amplas. O conceito pode ser contestado por alguns, mas o capital humano e as áreas ligadas a ele, como atração de talentos, desenvolvimento e retenção, têm sido abraçadas pelos setores de Recursos Humanos das empresas.

Pelo menos no norte do globo, o termo é hoje amplamente utilizado no campo do RH. O conceito de capital humano é usado para descrever as pessoas no trabalho e seu conhecimento, competências, habilidades e capacidade de desenvolver e inovar. Por extensão, a elaboração de relatórios de capital humano tem como objetivo fornecer dados quantitativos, bem como qualitativos, sobre uma série de medidas (tais como níveis de engajamento, volume de negócios de trabalho ou empregados) para ajudar a identificar que tipo de intervenções de RH ou de gestão gera melhorias para o desempenho do negócio.

Com a consolidação dessa prática, tornou-se aceito que o valor das organizações – e particularmente das empresas – é derivado de uma mistura complexa dos chamados ativos “tangíveis” (na forma de equipamentos, dinheiro, terra ou outros objetos físicos) juntamente com os “intangíveis” (sob a forma de marca, reputação, conhecimento e, claro, pessoas).

Há ainda uma enorme quantidade de trabalho a ser feito para melhorar a forma de definir, desenvolver, medir e gerenciar o capital humano. Mas essa é uma área na qual políticos, governos, empresas, investidores, comunidades e educadores – todos, potencialmente – têm um propósito comum. Gerenciado de maneira correta, o capital humano pode fornecer a base para a geração de uma riqueza extraordinária, mesmo com recursos limitados em algumas regiões do mundo.

Os desafios que ainda temos de enfrentar nesse espaço são os seguintes: em primeiro lugar, grande parte dos dados que os profissionais de Recursos Humanos coletavam no passado servia para fins administrativos em vez de um propósito analítico mais amplo. Em segundo lugar, ainda que os números existam, muitas vezes é muito difícil isolar as contribuições trazidas pelas pessoas dos impactos de outros fatores, entre eles a conjuntura econômica, as forças do mercado, as tendências sociais ou do consumidor. Em terceiro lugar, o valor das pessoas – o capital humano – é muitas vezes expresso em termos qualitativos (em vez de quantitativos), tornando-se difícil incluir tais informações em métodos tradicionais de contabilidade e de avaliação.

Mas esses desafios podem ser superados. Uma das razões para se ter esperança é que um número crescente de líderes empresariais agora vê a educação como, provavelmente, o mais importante investimento a ser feito nas próximas décadas. É claro que, apesar de seus muitos defeitos, os nossos sistemas de ensino têm conseguido evoluir de uma forma que seria inimaginável um ou dois séculos atrás. Eles estão entregando ao mercado alguns jovens brilhantes, prontos para enfrentar o mundo.

Mas, em alguns aspectos, e em particular no nível das escolas de negócios, conseguiu-se muito bem doutrinar os estudantes na sabedoria convencional. Muitas das principais escolas de negócios do mundo foram inserindo uma única agenda, focada no bottom line, com um conjunto de valores relacionados a ela. Em última análise, os educadores de amanhã, especialmente dos negócios de amanhã, terão de trabalhar em como gerenciar um número de diferentes capitais. E como alguém que cunhou o termo “Pessoas, Planeta e Lucro” há quase vinte anos , em 1995, parece-me que essas pessoas – e o capital humano – realmente estão em um ótimo lugar para começar uma tarefa, longe de ser simples, de reinventar o capitalismo para o século XXI.

John Elkington é presidente executivo da Volans, cofundador e diretor não executivo da SustainAbility | www.johnelkington.com

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