O crescimento bom, segundo Capra

O crescimento bom, segundo Capra

Entre as muitas perguntas que chegam todos os dias a este analista, uma é bastante freqüente não apenas por parte de estudantes e professores, mas também de gestores de empresas interessados em aprofundamento. Ela se refere aos autores que precisam ser lidos para uma compreensão melhor do que é sustentabilidade.
Eis uma pergunta difícil, sobretudo, porque a sustentabilidade, além de um conceito amplo, é um campo de conhecimento em construção. Para não fugir da resposta, no entanto, tenho parafraseado o sábio conselho de um antigo mestre que, uma vez, perguntado sobre que autores deveriam ser lidos para entender o poder da literatura, disparou: “Os clássicos, meu filho, leia os clássicos.”
Lester Brown e Peter Senge, certamente, integram a minha lista de clássicos pensadores do tema. Mas não poderia deixar de citar muito especialmente Fritjof Capra. Físico austríaco, Capra ganhou fama mundial com o Tao da Física (1975), um best seller em que, para explicar a realidade, estabeleceu um paralelo entre a física quântica e o taoísmo, o budismo e o hinduísmo.  Sua tese, como era previsível, desagradou os gregos das ciências modernas e os troianos de diferentes religiões. Foi rapidamente taxado de místico, à época um adjetivo usual para designar gente que só podia ser levada a sério por  hippies.
Seu segundo livro não deixou por menos. Em O Ponto de Mutação (1982), Capra apresentou, de forma ainda mais enfática, as suas credenciais de porta-voz do pensamento sistêmico, fazendo uma comparação provocativa entre o modelo cartesiano de compreensão da realidade (em sua opinião, reducionista) com o modelo holístico, inspirado na filosofia oriental. Em defesa do segundo, argumentou que a análise do “todo indissociável”, e não de suas partes, explicaria melhor o funcionamento de um organismo, seja ele o humano, o do planeta ou da própria economia. Na década de 80, O Ponto de Mutação virou obra de cabeceira dos alternativos espiritualizados. Para a academia, teve o mesmo valor de um livro de auto-ajuda.
Com A Teia da Vida (1996) e As Conexões Ocultas- Ciência para uma Vida Sustentável (2002), Capra fortaleceu sua pregação ecológica, passando a tratar do tema da sustentabilidade com maior ênfase. O tempo fez bem para ele. Não porque tenha mudado suas ideias. Mas porque as sociedades mudaram o suficiente para compreendê-las e valorizá-las.
No melhor de sua forma intelectual, o físico concedeu uma entrevista recente à Juliana Lopes, da revista Ideia Socioambiental na qual, apresenta com o brilho costumeiro, ideias que merecem reflexão.
Em sua opinião, como todas as formas de vida se organizam em redes e são marcadas por claras relações de interdependência, impõe-se como tarefa urgente mudar o atual modelo mental baseado no humanismo individualista. No lugar de buscar o que extrair da natureza, deve-se aprender a partir dela, alfabetizar-se ecologicamente, desenvolvendo a capacidade de compreender os princípios básicos da natureza e viver segundo eles.
O grande desafio, na visão de Capra, é o de criar e manter comunidades sustentáveis, concebidas de modo que suas formas de vida, negócios, economias e tecnologias não prejudiquem a vocação da natureza de sustentar a vida. Para ele, a causa de muitos dos problemas atuais está relacionada ao fato de que a civilização ignorou os padrões e dinâmicas dos ecossistemas, interferindo neles de modo drástico.
A realidade – acredita – exige uma revisão. Hoje, o mercado global funciona como “uma espécie de rede de máquinas programas para pensar o lucro antes dos direitos humanos, da democracia e da proteção ambiental.” Organiza-se a partir de fluxos financeiros, sempre nervosos.  Tecnologias de comunicação e informação sofisticadas possibilitam que o capital se mova rapidamente em busca de novas oportunidades de investimento. “O problema central é que a economia global foi desenhada sem nenhuma dimensão ética.”, dispara.
Segundo Capra, um desafio-chave é como adaptar-se de um sistema baseado na noção de crescimento ilimitado (“impossível para um planeta finito”) para uma outra que seja, ao mesmo tempo, sustentável e justa. O físico não é, claro, contra o crescimento, que considera um atributo central de toda espécie de vida. “Sociedade ou economia que não crescem acabam morrendo”, diz. O que defende é um crescimento não linear nem ilimitado, que classifica como “qualitativo”, bastante conhecido entre biólogos e ecologistas. Em organismos vivos, ecossistemas e sociedades, o crescimento qualitativo consiste em um aumento da complexidade e uma maturidade que aperfeiçoam, e não prejudicam, a qualidade de vida. Desmaterializar a economia, por exemplo, será uma ação necessária no sentido de um crescimento qualitativo.
Às empresas e governos, Capra faz um alerta: em vez de avaliar o estado da economia a partir de medidas “simplórias” como o PIB, a humanidade terá que distinguir o crescimento “bom” do “ruim”. O “ruim” relaciona-se a processos de produção e serviços baseados em combustíveis fósseis e substâncias tóxicas que geram escassez de recursos naturais e degradação dos ecossistemas. O “bom” refere-se a processos e serviços mais eficientes com energias renováveis, emissões zero, reciclagem contínua e restauração dos ecossistemas. Como dispomos de conhecimento, tecnologia e recursos financeiros, a escolha certa depende agora apenas de vontade política e liderança.
Se você ainda não leu Capra, um clássico na linha “Para Entender Sustentabilidade”, pode começar pelo seu mais recente livro A Ciência de Leonardo Da Vinci (Editora Cultrix, 2008).

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