O que podemos aprender com o caso Farra do Boi

O que podemos aprender com o caso Farra do Boi

O recente episódio de suspensão, por parte das três grandes redes de supermercados, da compra de carne de gado criado em áreas de desmatamento na Amazônia, reforça uma verdade antiga que qualquer mãe mais atenta conhece e pratica em seu dia-a-dia: no esforço de educar seus filhos, aplicando-lhes quando necessário castigos edificantes, o mais eficaz para a mudança de comportamento desejada é privá-los de algo que lhes seja muito importante, cobrando-os em seguida uma prova de que entenderam o recado e não cometerão o erro de novo.
No caso dos frigoríficos denunciados pelo Ministério Público Federal do Pará e pelo Greenpeace, o cancelamento dos pedidos de compra de carne representou um castigo duro, pontual, mas muito corretivo na medida em que atingiu exatamente o que é mais caro aos pecuaristas e empresários do setor, isto é, as suas receitas imediatas. Ao exigirem, com firmeza, a anexação às notas fiscais de documentos comprovando a origem e trânsito dos animais, Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart deram uma demonstração clara de compromisso com a conservação da Amazônia. Mais do que isso, mostraram a seus clientes e à sociedade, que as empresas podem fazer mais pela disseminação de práticas sustentáveis se, em vez de apenas olharem para dentro, estenderem suas preocupações socioambientais ao longo de toda a cadeia produtiva, identificando, alertando e educando fornecedores que extraem e produzem de forma incompatível com os melhores padrões de respeito às comunidades e ao meio ambiente.
Como era de se esperar, vendo seus interesses ameaçados, os frigoríficos reagiram indignados, alegaram um complô de ONGs e Ministério Público e dispararam, como mote de defesa, o fato de que não integram nenhuma lista de irregularidades nem do Ministério do Trabalho nem do Ibama. Em vão. A pressão dos compradores funcionou. Sem eco para seus argumentos, a Associação da Indústria Exportadora de Carne Bovina se viu obrigada a assumir o compromisso de rejeitar bois criados em áreas de desmatamento ilegal.  Grandes frigoríficos como JBS, Marfrig e Bertin assinaram documento com o Wal-Mart em que se comprometem a apresentar, num prazo de 30 dias,  o nome da consultoria que realizará auditoria independente garantindo a origem responsável dos produtos. Automaticamente, essas empresas fornecedoras terão no máximo 90 dias para encaminhar aos compradores os primeiros laudos. Vitória para o time dos conservadores da Amazônia.
Desse caso educativo, é possível extrair duas lições. A primeira é que pressão funciona sim, e muito bem, quando organizada, objetiva, firme e dirigida em torno de uma causa de evidente interesse da sociedade e do planeta. Aqui, por força do uso do termo nos bastidores da Câmara dos Deputados e do Senado, aprendemos a achar que lobby constitui uma ferramenta espúria. Não necessariamente ela é. O bom ou mau sé é o que a define. Na Europa, lobbies “do bem” orquestrados  por  grupos de pressão não têm dado vida fácil para empresas que prejudicam os interesses da sociedade. Logo, consistem em importante e eficaz ferramenta de controle social sobre os impactos ruins eventualmente  provocados pelos negócios na vida dos indivíduos. Formados por organizações dos três setores, os  grupos de pressão representam os interesses de consumidores cada vez mais exigentes e sociedades cada vez mais críticas quanto à atuação de empresas.
A segunda lição importante é que as empresas podem –e devem — integrar esses grupos de pressão, usando, a seu favor, o mais poderoso instrumento de que dispõem: a livre escolha de critérios para comprar insumos, produtos e serviços. Historicamente, preço, qualidade e capacidade de entrega sempre foram os elementos nos quais as empresas se apoiaram para selecionar fornecedores. Ao adotarem critérios socioambientais específicos, como fizeram Wal-Mart, Pão de Açúcar e Carrefour, os compradores –e toda empresa é, em alguma medida — podem gerar um círculo virtuoso de mudança rumo à sustentabilidade. Mais eficaz do que tentar convencer os fornecedores de que precisam ser sustentáveis, apenas com argumentos éticos, é pressioná-los a mudar utilizando as ferramentas econômicas. Os consumidores brasileiros estão crescentemente mais sensíveis para comprar de empresas cujos interesses se afinem com os da sociedade e do planeta. Quem apostar no contrário, vai enfrentar ventos fortes e turbulências nos próximos anos.

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