Especial – O que vem depois de Copenhague?

Especial – O que vem depois de Copenhague?

As oportunidades, desafios e tendências no cenário pós-COP15
Consultoria
Apesar do fracasso nas negociações por um acordo climático, a  Convenção do Clima registrou conquistas como a aceitação da ciência como diretriz para decisões políticas e a mobilização global de cidadãos comuns em torno do tema. Vem aí forte regulação. As empresas já iniciaram a transição para modelos de negócio de baixo carbono
Quando no final da tarde do dia 18 de dezembro, os monitores do Bella Center, em Copenhague, anunciaram que não haveria a tradicional foto oficial dos chefes de estado, confirmou-se uma suspeita que rondou o encontro ao longo da semana e que se transformou em certeza, minutos antes, com o discurso calculista de Barack Obama: a tão esperada COP 15 encerrava ali por falta de rumo, enterrando as promessas de um acordo para salvar o clima do planeta.
O primeiro impacto foi de decepção. Gestos de frustração assomaram nos poucos resmungos e vaias de protesto ouvidos aqui e ali nos corredores do centro de convenções dinamarquês. O desamparo estava nítido na expressão de Lumumba Di-Aping, negociador-chefe do Sudão, e um dos primeiros a se manifestarem contra o acordo. Estava estampado também no cenho franzido do português José Manuel Durão Barroso, presidente da Comunidade Européia, e no rosto abatido do líder de Tuvalu, uma pequena ilha da Polinésia, no sul da Oceania, que fez enorme barulho durante a Convenção do Clima.
Por mais que o fracasso viesse sendo antecipado nas duas semanas anteriores, com negociadores norte-americanos inflexíveis e chineses esquivos, havia um humano fio de esperança de que, em nome da humanidade, os líderes pudessem chegar a um entendimento de última hora. Não chegaram, como se sabe, a despeito dos apelos de outdoors que estampavam o slogan “Hopehagen.” Por razões que — já se sabia, antes do encontro— envolvem o difícil equilíbrio de interesses econômicos dos países mais emissores. (veja matéria na página XX). “Impossível harmonizar interesses tão distintos. O pano de fundo é uma guerra econômica. Ninguém quer abrir mão de emissões, o que significa, na visão do businnes as usual, abrir mão de crescimento, sob o risco de perder competitividade e oferecer a chance a outros”, profetizou o ambientalista Lester Brown, em sua visita ao Brasil, no mês de outubro de 2009.
Avanços para comemorar
Frustrações são comuns em eventos desta natureza. Também são comuns as conquistas que eles produzem, ainda que, em um primeiro momento, pareçam pequenas ante as altas expectativas iniciais em torno de seus resultados. Basta uma breve retrospectiva da história da Conferência do Clima para compreender que a COP 15 não foi uma exceção, embora tenha sido uma pouco mais dolorosa por causa da maior comoção mundial em torno do aquecimento global.
A primeira COP, realizada no Rio de Janeiro em 1992, também reuniu cerca de 30 mil pessoas, centenas de chefes de estados e representantes de todo o mundo. Como a sua edição mais recente, fechou a cortina com o sentimento de que se poderia –ou deveria — ter feito mais pela sustentabilidade do planeta. No entanto, a Conferência cometeu avanços, botando na pauta e levando à reflexão ideias antes obscuras que fizeram e fazem diferença até hoje, como, por exemplo, a da ecoeficiência.
Não por acaso, a partir da Eco-92, e ao longo de toda a década seguinte, “produzir mais com menos” tornou-se uma espécie de mantra entre executivos de empresas sérias. Ainda que não tenha desaguado no acordo “justo, ambicioso e legalmente vinculante”, a COP 15 também será vista, mais adiante, como a convenção que consagrou a aceitação da ciência como diretriz para decisões políticas, envolveu o mais representativo número de partes interessadas, apontou o carbono como fator de competitividade no médio prazo e tornou as mudanças climáticas um assunto de interesse do cidadão comum em todo o mundo. Não é pouco, visto sob a perspectiva histórica.
Fazendo um paralelo com a primeira da série, em 1992, o desafio deixou de ser apenas o da eficiência para ser principalmente o da suficiência. Daqui por diante, o desenvolvimento de novos modelos – econômicos, políticos e de pensamento – terá que levar em conta – mais do que em outros tempos– os já bastante reconhecidos e urgentes limites dos ecossistemas terrestres. “A mudança de paradigma requer um afastamento do crescimento econômico a qualquer custo que pode ser ajustado para níveis reduzidos de produção e consumo, favorecendo sistemas e economias locais”, defende Manfred Max-Neef, fundador do Centre for Development Alternatives (CEPAUR) no relatório Other worlds are possible, do grupo de trabalho de Mudanças Climáticas e Desenvolvimento.
A discussão sobre limites para o crescimento não é exatamente nova. Já em 1972, um grupo de industriais e cientistas denominado Clube de Roma prenunciava as crises socioambientais de hoje. Novo é o fato de que os líderes empresariais e políticos que estiveram e Copenhague já aceitam, sem tergiversar, o que diz a ciência sobre o aquecimento global, suas causas e as medidas de controle de seus efeitos. Na última COP, houve pouco ou nenhum palanque para os “céticos do clima”. O que mais se viu nas plenárias foram chefes de estado das maiores economias do mundo destacarem em seus pronunciamentos a necessidade de manter o aumento das temperaturas médias globais no limite máximo seguro de 2°C, advertência que vem sendo feita pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPPC) desde 2007.
Descarbonização da economia é tendência irreversível
Para o economista Sérgio Besserman, a descarbonização da economia é um fato consumado e a falta de um acordo em Copenhague não reverterá essa tendência. “O caminho na direção de economias de baixas emissões continuará. Tende inclusive a se acelerar um pouco independentemente do fracasso da COP-15 em obter compromissos mais sólidos e confiáveis”, afirma.
Na visão de Besserman, uma das lições importantes da  Conferência é que os desafios atuais são muito complexos para serem deixados a cargo apenas dos governantes. “Havia uma grande expectativa em torno do evento e também a ilusão de que a solução viria dos líderes. A solução, na verdade,  virá do jogo de pressão e contrapressão da política, da pressão das populações e dos setores econômicos mais voltados para o futuro contra aqueles enraizados na economia do passado”, reforça Besserman.
Para  o ex-vice-presidente dos EUA,  Al Gore, que também bateu ponto nos auditórios do Bella Center,  a COP 15 consagrou a tese de que o mundo vive uma tripla crise –a climática, a econômica e de segurança energética— originada a partir de uma única fonte: a dependência de energias fósseis. Segundo ele,  não se tem mais nenhuma dúvida de que a solução passa por uma limpeza da matriz energética. Do mesmo modo, sobre o esforço de mudança necessário, já não se discute mais por que fazer, mas sim quando fazer. Tempo, nesse caso, faz toda a diferença. Políticos e cientistas ressaltaram a corrida contra o relógio e a pressão estabelecida por um horizonte de 10 a 20 anos.
Antes mesmo de saber do resultado da Conferência—mas já antevendo o seu malogro – Gore repetiu a quem quisesse ouvir que, com ou sem acordo entre os países, nada impedirá o movimento de empresas na direção de uma economia de baixo carbono não só porque depender do petróleo significa um grande risco mas porque recorrer ás novas fontes representa, isto sim, uma enorme oportunidade. A sua opinião encontrou fácil acolhida. “As empresas trabalham com a perspectiva de inserção do custo do carbono no preço dos produtos e com a ideia de que essa variável afetará a competitividade. Observo um movimento intenso na construção de novos modelos de negócios e na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias”, disse Ricardo Young da Silva, presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social.
Fora das plenárias, nos estandes montados à feição de uma feira de negócios ou nos auditórios espalhados pelo Bella Center, as empresas justificaram a tese de Gore e a observação de Young, mostrando que estão não apenas atentas a tendências, como a maior regulação sobre o carbono, mas também ativas na implantação de estratégias de negócios fora da caixa.
As companhias dinamarquesas fizeram questão de expor, com orgulho, tecnologias limpas hoje responsáveis por 25% da geração de energia naquele país. Os alemães, como de praxe, venderam suas soluções de ponta. E até mesmo os mexicanos, anfitriões da COP 16, exercitaram prestígio de quem quer se destacar entre os emergentes. Durante a Conferência, fez enorme sucesso uma feira chamada Brigth Green que, entre outras novidades, surpreendeu o público com tecnologias como a da célula-combustível, capaz de mover uma fábrica inteira sem a necessidade de uma gota de petróleo.
Setores com maior impacto começam a se mexer mais rápido
Na COP 15, a ficha parecer ter caído para companhias de áreas intensivas em carbono – como aviação, mineração e petróleo. Se até pouco tempo atrás, elas resistiam a pensar no assunto, já compreenderam que serão cada vez mais pressionadas a mensurar suas emissões e apresentar alternativas para reduzir substancialmente seus impactos. Algumas, inclusive, estão se antecipando a um previsível ambiente de regulações mais rígidas. É o caso das do setor de aviação. Representado  na Conferência por organizações como a Enviro, este segmento estabeleceu a meta de reduzir suas emissões em 50% até 2050, tendo como base os níveis de 2005. É um objetivo ousado que só será possível com o compromisso de companhias aéreas, fabricantes de aeronaves, aeroportos e companhias de turismo (ver artigo no site www.ideiasustentavel.com.br sobre Aviação Verde)
Responsável por 5% das emissões globais, o setor de aviação passará a integrar, a partir de 2012, o esquema de redução e comércio de emissões no Reino Unido. A melhoria de práticas operacionais, redução do peso das aeronaves e o uso de biocombustíveis são as principais oportunidades para diminuir a pegada de carbono do segmento, com destaque para o uso de biocombustíveis de segunda geração.
O setor de cimento também se mostrou mobilizado. Em dezembro de 2009, o World Business Council e a International Energy Agency (IEA) apresentaram o primeiro mapa do caminho da indústria, focado nas companhias cimenteiras, que juntas representam cerca de 5% das emissões globais de gases de efeito estufa. O relatório reforça a urgência de intensificar o compromisso com pesquisa e desenvolvimento- especialmente no que diz respeito a investimentos em captura e armazenamento de carbono – e também a necessidade de políticas climáticas mais claras.
Mais do que necessário, inovar tornou-se tarefa urgente. A diferença entre começar agora com P&D focada em tecnologias de baixo carbono ou deixar para mais tarde, quando investidores e consumidores estiverem dispostos a pagar pelos produtos gerados a partir delas, pode representar a perda de caros pontos de market share em mercados difíceis de recuperar.
Segundo Marina Grossi, do Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), as empresas já perceberam que precisam participar do processo de formulação das novas regulações em vez de apenas cumpri-las. A dúvida ainda está em como fazer. “A voz das empresas ainda é pouco ouvida na convenção das Nações Unidas. Mas elas estão agindo e já dispõem de soluções interessantes de inovação para as mudanças climáticas. A questão é juntar essas realidades que ainda hoje seguem paralelas”, afirma.
Efeito-carbono na competitividade dos mercados
No cenário pós-COP 15, vão estar mais aptas para aproveitar as oportunidades de um novo quadro regulador as empresas que eliminarem o carbono dos seus processos de produção e estratégias de negócio, do chão de fábrica ao transporte de mercadorias. Ficou claro em Copenhague que ferramentas para mensurar, gerir e comunicar as emissões de carbono ganharão relevância, na medida em que a intensidade em carbono se tornar cada vez mais um fator de competitividade.
A lógica é simples e se insere no modelo da economia clássica que orienta o chamado business as usual:  se as emissões que antes representavam externalidades e ficavam fora do campo de responsabilidade das empresas passarem a constar do preço de produtos e serviços, então reduzi-las será, na prática, uma medida de gestão elementar para melhorar os resultados.
Essa é uma realidade que começa a tomar forma para as grandes companhias, expostas à pressão de um número cada vez maior de partes interessadas. Governos mais fiscalizadores, consumidores mais exigentes e investidores muito mais seletivos estão cobrando –e cobrarão com maior ênfase — inventários de emissões, exercendo o que pode ser classificado como uma forma contemporânea de controle socioambiental sobre os negócios. No mesmo movimento, alimentando um ciclo virtuoso em sua cadeia de valor, muitas companhias começam a exigir o cálculo e o reporte de emissões de seus fornecedores. Esse é um fluxo que seguirá em expansão, independentemente da assinatura de um tratado em novembro próximo, na cidade de Cancun, no México.
De acordo com o Carbon Disclosure Project (CDP), 6% das líderes de mercado já descartam fornecedores que não gerenciam suas emissões de gases de efeito estufa. Cerca de 56% se comprometem a fazer, em futuro próximo, a gestão das emissões de gases de efeito estufa em toda a sua cadeia produtiva.
A cada ano, o CDP convida companhias de todo o mundo a fornecer informações sobre suas emissões, metas de redução, governança e avaliação dos riscos e oportunidades associados à mudança climática. As empresas participantes dessa iniciativa, como Dell, Juniper Networks, National Grid, PepsiCo e Reckitt Benckiser, estão requisitando de seus fornecedores a divulgação de dados através do programa CDP Supply Chain.
Ótima notícia se considerar que é da cadeia de suprimentos que provem grande parte das emissões de produtos e serviços. Nas empresas de bem de consumo, por exemplo, ela representa de 40% a 60% da pegada de carbono. No varejo, pode chegar a 80%. Na COP 15, especificamente na ala “comercial” do evento – onde ficavam os estandes de delegações– não foram poucas as companhias, de diferentes nacionalidades, que se deram ao trabalho de “vender” seus projetos de corte de emissões numa clara demonstração de que o tema hoje gera valor para a imagem, a reputação e o ambiente de negócios. “É importante que as companhias entendam os riscos físicos que as mudanças climáticas podem gerar e atuem na reversão desses fenômenos”, destaca Paul Simpson, executivo-chefe do Carbon Disclosure Project.
Para Theoto, do CDP no Brasil, o inventário é importante, mas não suficiente para resolver o problema do efeito estufa. “Obrigar alguém a inventariar as emissões, só para ter o número em si, não agrega muito. Mesurar emissões é apenas um elemento. O mais importante é saber o que fazer depois com esses números”, ressalta.
Na avaliação de muitos especialistas ouvidos por Ideia Socioambiental, a precificação do carbono representa um importante e definitivo  passo seguinte na caminhada rumo a uma economia de baixa emissão. O tema, no entanto, continua cercado de dúvidas. “Essa é uma das consequências ruins de a CoOP 15 não ter avançado em termos práticos. A incerteza permanecerá, o que inibe investimentos e impede que a roda gire um pouco mais rápido”, analisa Besserman.

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