Os dois lados da moeda acadêmica

Os dois lados da moeda acadêmica

Por Aileen Ionescu-Somers

O papel das escolas de negócios na preparação não apenas de líderes – mas líderes que entendam e promovam o papel dos negócios no desenvolvimento sustentável – é uma questão cada vez mais em voga e, pelo jeito, terá mais visibilidade ainda no futuro próximo. Isso porque o mundo está se deparando com os limites já claros do crescimento – a alta dos preços das commodities, o aumento da população e, portanto, do consumo, e a dependência excessiva de fontes não renováveis de energia.

Além disso, a crise financeira global que começou em 2007/08 deu origem a um questionamento público e global sobre a ênfase no curto prazo, amplamente dominante no modelo de negócios vigente. Um bom exemplo disso me foi dado, certa vez, por um gestor, indagado sobre o papel dos negócios no desenvolvimento sustentável: “Como empresa, se você não cresce, você morre… e esse é o dilema fundamental”, disse ele.

A comunidade empresarial – e junto com ela a das escolas de negócios – finalmente entendeu que existe crescimento “ruim”? Francamente, ainda não sabemos. Mas um foco puramente de curto prazo mostra-se claramente contrário não só ao crescimento econômico de longo prazo mas também fundamentalmente a qualquer tipo de desenvolvimento sustentável.

Goste-se ou não, o crescimento a qualquer custo simplesmente não pode representar a principal proposição de valor para a sociedade atual e futura. A complexidade, desigualdade e incerteza que caracterizam os mercados emergentes são perigosamente ignoradas. Cada vez mais, a nossa falta de preparo para o mundo em que viveremos nas próximas décadas e passaremos aos nossos filhos – e não aos filhos dos nossos filhos – é o maior problema global.

E como fica o papel da escola de negócios? Afinal, não somos nós que moldamos os líderes do amanhã? Para o Institute for Management Development, na Suíça, a reflexão sobre esses temas não é novidade. Há cerca de dez anos, o IMD tornou-se sócio-fundador da Academy for Business in Society (EABIS), uma associação de escolas de negócios, universidades e empresas com a ambição de colocar a sustentabilidade no centro da teoria e da prática dos negócios. O IMD e outros membros da EABIS mapearam e promoveram o ensino da sustentabilidade em diferentes formas ao longo dos anos. Em colaboração com outras escolas de negócios, universidades e empresas, o IMD tem realmente refletido sobre as mudanças necessárias na pesquisa e na pedagogia, os dois lados da “moeda acadêmica”.

A criação da EABIS veio da constatação de que o tipo de pesquisa que vinha sendo produzida no campo da sustentabilidade não estava ajudando o mundo (dos negócios) a seguir em frente na velocidade e escala necessárias. Recentemente, uma mesa-redonda dos membros da organização, realizada na Universidade de Nottingham (Reino Unido), revelou que, após dez anos de sua criação, a situação infelizmente continua igual.

Idealmente, a pesquisa e o ensino precisam promover e nutrir transições para novas mentalidades e práticas em torno de novos modelos de negócios que permitam “fazer mais com menos”.

A comunidade de pesquisadores tem feito um bom trabalho em identificar onde se encontram as barreiras ao progresso. Mas ainda não há pesquisa e ensino suficientes que sejam: 1) relevantes à prática, 2) interdisciplinares e 3) baseados na solução. Quanto à pedagogia, apesar de uma infinidade de novos programas de “sustentabilidade” ao longo dos últimos dez anos, principalmente por conta de paixões individuais e não vontades institucionais, ouvi gerentes sêniores de multinacionais dizerem que “infelizmente, nada disso é muito útil”. Faz você pensar…

O que impede as escolas de negócios de romper com convenções e avançar rapidamente a melhores formas de integrar a sustentabilidade à pesquisa e ao ensino? Rankings de escolas de negócios e periódicos especializados têm papel importante nessa estagnação.

Primeiro, criam incentivos para que os acadêmicos pensem sobre o passado em vez do futuro. Além disso, preocupações com o sucesso individual de pesquisas relacionadas a rankings perpetuam mentalidades individualistas entre pesquisadores. Isso faz com que a faceta crítica da pesquisa fique amenizada, criando um status quase de qualidade inferior.

Devido a processos onerosos de avaliações em periódicos importantes, a pesquisa leva muito tempo para ser publicada, tornando-se menos relevante. De qualquer maneira, as publicações nas revistas especializadas são inacessíveis aos gestores e ao público em geral.

E, acima de tudo, a mudança sistêmica e a integração estratégica da sustentabilidade ao mainstream dos negócios requerem um trabalho interdisciplinar nas escolas e universidades, algo ainda incomum dentro da comunidade acadêmica.

Abordagens pedagógicas permanecem excessivamente ortodoxas e focadas na sala de aula, baseadas em grande parte em formatos de estudos de caso e palestras, e muitos gerentes não compreendem a relevância comercial do que estão aprendendo.

Em geral, o modo como a pesquisa e a pedagogia contribuem para a preparação de líderes para a sustentabilidade exige um repensar:

• A teoria deve ser convertida à prática mais cedo e de forma mais eficaz.

• Jargões acadêmicos devem ser substituídos por terminologias estratégicas “de negócios”, que ligam imperativos sociais e comerciais.

• Avaliações abertas que reconheçam incompletudes e conhecimentos novos são essenciais.

• Novas métricas são necessárias para medir os fatores-chave da sustentabilidade.

• Competências essenciais de criação de valor para a sustentabilidade precisam ser identificadas e incentivadas institucionalmente.

• Integração estratégica no mainstream significa que são necessárias abordagens disciplinares cruzadas e de multiacionistas.

• Pedagogias inovadoras e ativas (menos baseadas em sala de aula) são essenciais para o sucesso.

As principais escolas de negócios e universidades estão atualmente abraçando o desconhecido e direcionando-se para novas formas e meios de promover a pesquisa em sustentabilidade e jornadas de aprendizagem. O IMD, por exemplo, fez parceria com a ONG ambientalista WWF para administrar o programa One Planet Leaders em seu campus.

A Corporate Sustainability Management Learning Platform do IMD (www.imd.ch/research/csm) tem incentivado a sustentabilidade em seus cursos, trabalhando em projetos de pesquisa e estudos de caso de integração com o corpo docente em suas disciplinas e também os acionando em mesas-redondas de liderança de pensamento com empresas, ONGs e outras partes interessadas.

Outras escolas, como a Copenhagen Business School (Dinamarca), ESADE (Espanha), Universidade de Nottingham, INSEAD (França), Universidade de Exeter (Reino Unido) e até mesmo um conjunto de programas corporativos internos de aprendizagem (como na Shell, IBM e Nestlé), têm transformado novas iniciativas de aprendizagem em um esforço colaborativo também voltado para o mainstream.

Já que a experiência em uma escola de negócios deve ser transformacional – cobrando dos alunos pensamento crítico e desenvolvimento de capacidade de liderança de pensamento ­–, o foco em sustentabilidade tem de ser priorizado em todos os cursos. Escolas de negócios precisam investir tempo e recursos para manter o debate dentro de suas instituições, inspirando os alunos a aplicarem isso em suas próprias organizações.

O desafio da educação de executivos está em combinar o conhecimento da implicação da sustentabilidade – e a conscientização de melhores práticas que levem a um bom resultado – com a coragem de desafiar criticamente o preceito do business as usual. O mundo vai precisar de pessoas, gestores e líderes que o entendam, que tenham uma perspectiva adiante – e não retrógrada – para enxergar o que está por vir e que pensem crítica e analiticamente.

Para isso, precisamos incentivar as diferentes opiniões e estratégias de aprendizagem que incidam sobre os sentidos e emoções e, portanto, estimulem a reflexão. Afinal, a transformação só pode ocorrer se os alunos entenderem o propósito maior de suas ações, e enxergarem-se como personagens poderosos no desenvolvimento de uma criação de valor maior para a sociedade.

Aileen Ionescu-Somers é diretora do Centro de Sustentabilidade Corporativa do Institute for Management Development (IMD-CSM), na Suíça.

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