Uma proposta de reflexão para as parcerias entre empresas e organizações sociais

Uma proposta de reflexão para as parcerias entre empresas e organizações sociais


Estudos mais recentes revelam uma interessante particularidade sobre o investimento social privado no País: as empresas brasileiras, ao que tudo indica, preferem colocar seus recursos em projetos sociais próprios em vez de apoiar os de organizações da sociedade civil. No esforço de sistematizar suas atividades, algumas criam fundações e institutos, definem estruturas alternativas e estabelecem orçamentos específicos. Outras delegam a um departamento interno a missão de planejar e executar ações sociais, obedecendo a uma lógica endógena de gestão das suas ações voltadas para comunidades.
Um cenário como este sugere dois tipos de análise. A primeira, francamente otimista. Ao contrário do que suspeitavam os céticos, no início dos anos 90, o investimento social de empresas – um dos vetores da responsabilidade social empresarial — não corre mais o risco de ser tratado como um modismo de vida curta. Pesquisas como as do Ipea e da Fiesp-Ciesp revelam um crescimento no volume de recursos, na qualidade e na amplitude das ações. Quaisquer que sejam as bases utilizadas para analisar a “motivação social” do setor privado, pouca gente duvida de que o interesse pela nova prática veio para ficar, inseriu-se nas estratégias institucionais, tornando-se definitivamente pauta na agenda das empresas. O líder empresarial contemporâneo sabe que o investimento social produz efeitos positivos de imagem junto aos consumidores, melhora o relacionamento com as comunidades próximas e também com os funcionários. É crescente uma certa consciência humanizadora de que a empresa — símbolo da geração de riquezas na sociedade moderna– não pode fechar os olhos para um contexto de miséria, graves carências, desigualdade e exclusão social.
Em um movimento lento, mas seguro, de evolução, a experiência do investimento social privado parece amadurecer no Brasil, deixando a pré-história das ações pontuais, tópicas e meramente compensatórias para se transformar, pelo menos entre as boas corporações do país, em políticas de intervenção nas comunidades, planejadas para atingir resultados de mudança social. Inegavelmente, ainda há quem prefira o conforto –ou a falta de imaginação – do repasse de recursos sem compromissos e sem aferição de resultados. Mas o que crescentemente se tem observado é o interesse por uma participação mais organizada na solução de problemas estruturais relacionados, por exemplo, à educação, à saúde, à qualificação profissional e à geração de trabalho e renda. Bom para o País.
A preferência pelos projetos próprios é, portanto, um indicador deste quadro: se uma companhia sabe o que deseja a ponto de selecionar uma linha de atuação social, é porque a cultura interna hoje favorece, estimula, confere valor e relevância à temática.
Embora não diminua a importância da primeira, uma segunda análise, no entanto, deve ser considerada. A opção pelos projetos próprios parece revelar, sob outro ângulo, uma dificuldade das empresas em formar relações de parceria efetivas com organizações de terceiro setor. O contrário é igualmente verdadeiro. Este embaraço decorre, quase sempre, de uma relação marcada por reservas de parte a parte. Fora do discurso politicamente correto, proferido nos eventos públicos, muitos dirigentes de empresas admitem resistência à idéia de dividir a realização de seus projetos sociais com organizações. Agem assim em razão de alguns receios básicos, entre os quais merecem destaque: o da má gestão de recursos, por falta de competência ou mesmo de transparência; o de não terem suas opiniões ouvidas e incorporadas ao processo de intervenção por conta do que consideram “inflexibilidade” dos parceiros; e o de serem vistos apenas como os “donos da chave do cofre”, não seus efetivos proponentes.
Entre as organizações de terceiro setor, a resistência não é menos marcante. Sua origem está –segundo nossa observação — na preocupação de serem “comandadas” pelas empresas, transformando-se em meros executores de políticas de investimento social privado de cuja formulação não participaram e de cujos objetivos podem não compartilhar.
A rigor, as desconfianças de uma e de outra parte são justificáveis, muito embora estejam alicerçadas em lógicas parciais e distintas, em generalizações indevidas e na falta de prática de parceria – até porque, vale lembrar, o modelo de aliança interesetorial é bastante recente no Brasil. Não deixa de ser curioso, portanto, que o temor de empresas e organizações seja simetricamente o mesmo: a limitação de seu papel diante do papel da outra parte. Esses dilemas nada têm de fortuitos. E apenas serão superados quando houver melhor diálogo, mais tolerância e maior capacidade de compreender expectativas.
Se as empresas desejam ser mais ouvidas devem aprender primeiro a ouvir, substituindo os tradicionais modelos autoritários de tomadas de decisão – do tipo “financio, logo dou as cartas” – por outros mais colaborativos e horizontais. Uma relação mais tolerante deve nascer da constatação de que o melhor investimento social –tomando, como medida, o impacto das ações sobre uma comunidade – ocorrerá sempre que as dimensões do privado, do público e do público-privado atuarem em sinergia de propósitos.
Para que essas idéias, tão fluentes no discurso, não emperrem nas práticas, as duas pontas da corda devem reavaliar atitudes. Uma sugestão de reflexão às empresas: não é necessário reinventar a roda na busca de soluções que muito provavelmente já foram testadas por organizações de terceiro setor com a vantagem de terem surgido de diagnósticos muito mais próximos da realidade social de comunidades. Nunca é demais lembrar que o terceiro setor autêntico, aquele que se estrutura a partir de um conjunto de organizações nascidas na sociedade civil, é hoje um campo profícuo de soluções criativas, baratas e eficazes. Por mais competente e mais bem intencionada que seja uma empresa, ela jamais terá a mesma inserção na vida de uma comunidade que uma organização gestada no ventre desta mesma comunidade. O mais sensato a fazer, portanto, é escolher o parceiro certo e, em conjunto com ele, realizar diagnósticos corretos, estabelecer metas e estratégias de atuação e definir indicadores para avaliar os resultados. Os projetos sociais só têm a ganhar.
Para as organizações sociais, uma outra sugestão de reflexão: se querem ser mais do que prestadoras de serviços a projetos sociais de empresas, o primeiro passo é alterar o foco de suas abordagens. Em vez de buscarem captar recursos financeiros para seus projetos próprios, identifiquem nas empresas parceiros potencialmente compromissados com a solução dos problemas dos públicos que anseiam por beneficiar. Na mesma linha de raciocínio, devem se abrir mais para o diálogo, permitindo-se rever posições, aceitando a opinião do financiador como uma efetiva contribuição, e sendo mais flexíveis na negociação de pontos que acomodem expectativas sem descaracterizar a ação central. Fazer junto significa também pensar junto. Esta é uma importante experiência de aprendizagem. E todos temos a ganhar com ela.

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