Tecnologias e impasses ambientais

Tecnologias e impasses ambientais

Podem as novas tecnologias superar o impasse ambiental?

Por Fabián Echegaray

Poucas narrativas são tão ilustrativas sobre o efeito destruidor de civilizações pela  degradação ambiental como a história da Ilha de Páscoa (Rapa-Nui).

Arqueólogos, geógrafos, historiadores e novelistas. Especialistas de áreas as mais diversas convergem na eloquência simbólica dos acontecimentos daquele lugar – a “metáfora perfeita”, conforme diz o professor e ganhador do prêmio Pulitzer, Jared Diamond, sobre o destino do nosso planeta.

Em pouco mais de 500 anos – portanto mais ou menos o tempo de existência do Brasil como tal, a ilha que já foi abundante em flora, generosa em riqueza marinha, águas suficientes e solos adequadamente férteis para albergar a presença humana converteu-se num pesadelo.

Isolados do mundo (como o planeta está do universo), sem alternativas conhecidas e acessíveis de fuga, dependentes dos recursos naturais para garantir o nível de vida necessário à subsistência, reprodução e conforto, os pascoenses viram sua civilização arrasada. Os motivos, um misto de destruição do meio ambiente, desvios culturais – que levaram ao paroxismo a concorrência entre clãs pelo poder  – e, por último,  a guerra civil, além de epidemias externas (biológicas e culturais).

As causas são múltiplas, mas a sequência da narrativa que levou ao fim da civilização de Páscoa parece ser uma só: da efetiva subsistência e aspiração ao conforto, nasceram as pretensões de mais poder e prestígio, que acirraram uma competição desenfreada por erigir mais e mais moais, aquelas estátuas gigantes que são a marca registrada da ilha.

Para transportá-las – mas também para construir casas e canoas para pesca, necessárias à manutenção de miniexércitos de artesãos, militares e demais moradores -, imensas palmeiras e outras árvores nativas foram cortadas. E com certeza os ratos trazidos por barcas de outros polinésios itinerantes, assim como dos europeus que passaram a visitar a ilha, de 1722 em diante (que junto com os ratos transmitiram outras epidemias, como a sífilis, e o fascínio pelo consumo de bens supérfluos), ajudaram a minar a saúde das florestas.

Quando visitei Rapa-Nui, seis anos atrás, Diamond acabara de publicar seu best seller Colapso, com um capítulo sobre a ilha; e a frase do livro que ecoou mais fortemente na minha cabeça, desde então, foi: “O que será que os pascoenses prestes a derrubar a última árvore pensaram na hora de fazê-lo?”.

De forma especulativa, ele mesmo respondia a questão:

“Será que acharam a evidência do impacto humano sobre os desajustes ambientais como ainda não sendo conclusiva?; ou que provavelmente do outro lado da ilha as coisas não sejam tão ruins e tenha mais uma floresta a descobrir?; ou que a tecnologia iria salvá-los?”

Há vários anos, encaramos de forma muita parecida a crise ambiental e das mudanças climáticas; e – não deveria surpreender – a exposição desses mesmos tipos de argumentos funciona como um anestésico para adiar ou minimizar as decisões relativas ao que fazer diante de tamanho desafio. Durante um bom tempo,  o questionamento referia-se ao quanto essas mudanças correspondiam a um padrão natural ou resultavam da interferência humana.

Do mesmo modo, a expectativa de que inovações tecnológicas (mais do que novos hábitos pessoais) conseguiriam virar o jogo dominou e ainda permanece no centro do  debate sobre as soluções.

Não muito diferente ocorreu com a esperança de que as ondas de calor e frio, assim como a poluição e a emissão de gases, seriam revertidas pela vontade política dos países e pela existência de vastos recursos naturais ainda inexplorados – algo que passou a ser desmentido pelos relatórios de instituições até conservadoras, como a Agência Internacional de Energia que, recentemente, revelou que as emissões mundiais, em 2010, bateram mais um recorde, apesar da recessão econômica no mundo desenvolvido.

Por outro lado, hoje contamos com sinais e números concretos, capazes de influir sobre nosso conhecimento e percepção sobre quão naturais ou habituais são essas mudanças climáticas, se ocorrem apenas em um ou dois lugares isolados ou de maneira universal, e quais tecnologias estão efetivamente disponíveis e sua eficiência. Para começar, o tema apresenta uma visibilidade e legitimidade traduzidas pela presença nos jornais como nunca antes.

Segundo os arquivos de um dos principais jornais do país, Folha de S.Paulo, a média de matérias sobre o assunto pulou de 129, nos anos 2000 e2001, para 919, entre 2009 e 2010.

Na mesma linha, o número de eventos climáticos extremos no planeta tem se multiplicado, assim como também aumentado sua intensidade. Registros privados, iniciados no ano de 2004, indicam a ocorrência de 640 eventos catastróficos, que deixaram como saldo 11.600 vítimas fatais e quase US$ 108 bilhões de perdas; em 2010, esses eventos somaram 960, com 67.800 vítimas fatais, e US$ 100 bilhões. [Munich Re, NatCat service, 2011: os dados de vítimas fatais e perdas apenas consideram os derivados de eventos climatológicos, hidrológicos e meteorológicos, excluindo os vinculados a fenômenos geológicos naturais, como os vulcânicos, terremotos e tsunamis]

Um último sinal é dado pelo desvio nas temperaturas médias experimentadas nos últimos anos: se, em 2000, esse desvio limitou-se a 0,40 graus Celsius, em 2010 chegou a 0,63. [NOAA, National Climatic Data center, US Dept of Commerce, 2011]

Tanto as matérias nos jornais como as catástrofes e as abruptas mudanças nas temperaturas colocam o tema no radar e na realidade das pessoas, e facilitam desenvolver percepções de como fazer escolhas sobre o que está acontecendo e como lidar com isso.

Mas, é isso o que – de fato – vem acontecendo? E qual a lógica que se instala na cabeça das pessoas?

Dados do estudo Barômetro Ambiental, desenvolvido desde 2005 pela Market Analysis (em parceria com a rede GlobeScan), revelam que nos últimos anos o senso de alarme sobre as mudanças climáticas tem aumentado, ao mesmo tempo em que se reconhece o fenômeno como sendo causado pelo homem (e cada vez menos atribuível a um padrão natural do clima), e que a fé na tecnologia como solução deixa de recrutar tantos adeptos e começa a dividir a população, levando a uma tácita admissão de que as soluções passam por mudanças drásticas de hábitos.

Na visão de um pascoense: parar de cortar árvores para construir moais que nos façam sentir poderosos, e não apenas pensar em cortá-los de modo mais eficiente.

Esse novo padrão de reações sociais diante do aquecimento global e a crise ambiental não é exclusivo do Brasil e acontece tanto em países desenvolvidos como nos emergentes. Mas talvez onde a mudança tenha sido mais visível, nos últimos tempos é, ironicamente, na sociedade que, apesar da sua altíssima responsabilidade, deu por muitos anos as costas ao problema e onde o poder restaurador da tecnologia é crença quase religiosa: os Estados Unidos.

Lá o sobressalto com relação às mudanças climáticas e a crise ambiental disparou, a naturalização dos fenômenos passou a ser seriamente questionada e as dúvidas sobre se a esperteza técnica dará conta do recado sem exigir alterar o estilo de vida aumentaram como em nenhum outro país. Não é à toa que os EUA continuam a liderar tanto o volume de emissões de gases do efeito estufa quanto de catástrofes climáticas e prejuízos por desastres ambientais.

Se essa liderança nas estatísticas do pavor reflete algo, trata-se da noção de que o caos climático deixou de ser uma hipótese e fonte de novos negócios para se transformar em parte da realidade cotidiana.

A mensagem desde a sociedade, válida para os EUA como para o Brasil, parece ser clara: ou os novos produtos e serviços com valor tecnológico que visam posicionar-se como uma resposta efetiva ao problema ambiental adotam uma presença e funcionalidade mais assertivas no mercado e no dia-a-dia, ou as organizações por trás deles arriscam que seus esforços e investimentos sejam vistos como supérfluos e irrelevantes  – e, portanto, a imagem de liderança ambiental acabe tingida pelo signo da inocuidade.

Fabián Echegaray é Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA) e diretor-geral da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social.

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