Ponto de vista – Ampliar o controle sobre organizações sociais é burocratizar e cercear suas atividades

Ponto de vista – Ampliar o controle sobre organizações sociais é burocratizar e cercear suas atividades

A tentativa de ampliar o sistema de controle das organizações sociais é burocratizar o seu papel e praticamente cercear suas atividades. O estado brasileiro tem ordenamento jurídico extremamente avançado, inclusive nas parcerias público-privadas e no setor social, que permitem o acompanhamento das ações e de sua efetiva implementação.
Atualmente, muitas são as formas de atuação e de controle das instituições da sociedade civil. A Constituição Federal Brasileira prevê, de acordo com o princípio da subsidiariedade, uma ação ampla dessas organizações em apoio e participação das políticas públicas e ao seu acompanhamento. Ao mesmo tempo, as entidades podem colaborar na área de direitos sociais, políticos, culturais e econômicos na implementação de projetos filantrópicos, com recursos próprios ou advindos das empresas ou pessoas físicas.
No que se refere às atividades governamentais, as organizações podem se associar ao poder público por meio de parcerias com a transferência de recursos financeiros – que durante muito tempo foi realizada pelos antigos convênios. Desde 1999, porém, as entidades contam com a Lei nº 9.790 que cria as Oscips (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), cuja proposta é distinguir as entidades sem fins lucrativos de interesse público das de interesse privado.
As Oscips se comprometem com uma gestão transparente e eficiente, têm de prestar contas e podem ser fiscalizadas pelos órgãos do Estado, inclusive por meio de auditoria. Além disso, as Oscips podem firmar os chamados termos de parceria com o poder público para aplicar recursos em projetos de interesse da população, comprometendo-se com os resultados a serem obtidos. Atualmente, existem centenas de organizações qualificadas no Brasil para receber recursos por meio do termo de parcerias.
Esse sistema é um instrumento de controle por parte do estado, mas na maioria dos casos ainda há a fiscalização dos tribunais de contas, que acompanham os órgãos governamentais que atuam com essas entidades. Há também o controle pelo Ministério Público, o defensor da sociedade, que tem atribuição de agir, atuar e fiscalizar a qualquer momento uma organização da sociedade civil que tenha sofrido denúncia.
Por outro lado, a sociedade também pode exercer seu papel fiscalizador com as entidades que recebem recursos financeiros empresariais ou de famílias. Nesses casos, a legislação exige que as organizações tenham conselhos fiscais e de administração e prestem contas de suas atividades. No caso das fundações ainda há a exigência de supervisão pelo Ministério Público.
Diante disso, constatamos a existência de um sistema de registro e de controle extremamente aperfeiçoado e avançado, que não justifica a tentativa de ampliar a fiscalização do trabalho das organizações, como vem sendo proposto por pelo menos duas medidas significativas.
Uma delas é a proposta, aprovada em um acordo de lideranças no Senado, que exige o registro das cerca de 300 mil entidades brasileiras no Ministério da Justiça. Esta medida, além de impossível de ser colocada em prática, representa um controle ineficaz das organizações.
Outro dispositivo é o decreto nº 5.504 de 2005 da Presidência da República, que institui uma nova obrigação às entidades que firmarem convênios, parcerias ou outro tipo de cooperação com a União: a de licitação obrigatória para contratar obras, serviços ou alienações. O decreto, porém, contraria dispositivos de leis federais como a Lei das Organizações Sociais (nº 9.637/98) e das Oscips, que têm estatuto próprio e normas sobre contratações e aquisições. Não faz sentido transpor para entidades privadas um conjunto de instrumentos da legislação que rege órgãos públicos.
Se já existem tantos mecanismos de controle das organizações sociais a pergunta que fazemos é a seguinte: a quem interessa este projeto de cerceamento das atividades das organizações não-governamentais que tramita no Congresso Nacional? É necessário refletir sobre esta questão e identificar as áreas de conflito e as razões deste movimento. Combater atividades ligadas a instituições que defendem os direitos humanos, o meio ambiente ou as minorias pode ser um meio de manter o atual estado de desrespeito aos direitos fundamentais do cidadão sem ter o olhar atento e a pressão constante da sociedade.
Acredito que os preceitos rígidos e inoperantes das propostas serão afastados por inconstitucionalidade, pois ferem o princípio da livre iniciativa e da liberdade de associação previstos na Constituição Federal Brasileira. Portanto, mais do que tentar a todo tempo cercear as atividades desse tipo de entidade, é necessário investir no aprimoramento da capacidade gerencial dessas organizações. Porque somente desta forma poderemos aumentar os mecanismos de transparência das suas atividades, principalmente com o uso da Internet. A população, por exemplo, poderia saber, por meio do site, quanto de recursos – provenientes de fundos públicos, empresas e fundações privadas – teria sido empenhado em determinado projeto no seu bairro.
Além de todo aparato jurídico que governa e acompanha o trabalho das organizações, o verdadeiro controle das atividades é realizado pelas pessoas, comunidades e associados, os maiores beneficiados pelas ações. Aperfeiçoar a gestão e também aprimorar as iniciativas e aumentar a possibilidade de controle social pela sociedade como um todo.
*Rubens Naves, advogado, Prof. Licenciado da PUC/SP, Fundador e Conselheiro da Transparência Brasil e Diretor Presidente voluntário da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
 

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