Ponto de vista – Como você avalia a relação entre empresas e organizações do terceiro setor?

Ponto de vista – Como você avalia a relação entre empresas e organizações do terceiro setor?

O vento está francamente a favor. Afinal estamos saindo do ano em que as duas maiores fortunas do mundo resolveram estrategicamente unir-se para … doá-las.
Warren Buffett anunciou em junho a transferência de U$ 31 bilhões para a fundação de Bill Gates. E eles não estão sozinhos: outros megaempresários do mundo da alta tecnologia como o fundador do E-Bay, Pierre Omydiar e o presidente da Dell, Michael Dell, estão atuando na área social, buscando causar impacto durante suas vidas. Esta postura marca uma mudança radical em relação às origens do terceiro setor nos Estados Unidos, quando empresários como Kellogs, Ford, Carnegie e Rockefeller fizeram vultosos legados post – mortem.
Existe aí uma diferença qualitativa importante: se antigamente o empresário bem-sucedido equacionava suas culpas por meio de doações a serem operadas por seus herdeiros, o homem de negócios moderno não abre mão de tomar as decisões sobre seu investimento social, e o desafio é fazê-lo de forma tão estratégica quanto qualquer outro investimento da empresa.
A primeira mudança nessa relação foi justamente a que fez com que a Filantropia fosse substituída pelo (ISP) Investimento Social Privado. Ao invés de simplesmente abrir o bolso em favor de quem precisa, o ISP pressupõe um raciocínio estratégico para definir a área que será beneficiada, manter o foco, desenhar um plano que se compara em gênero, número e grau a um plano de negócios, implementá-lo, monitorar, avaliar e retomar o ciclo de investimento de acordo com os resultados alcançados.
A relação das empresas com o terceiro setor não é mais, simplesmente, a de escrever o cheque. A política de investimento social envolve a potencialização do recurso aplicado, ou por outra, o cheque de mil reais doado tem que valer no mínimo o dobro para a entidade do terceiro setor beneficiária. Como se faz esta mágica? Alavancando o recurso, por exemplo, com trabalho voluntário. Ou, o que os americanos gostam muito de fazer no “matching grant”: o dinheiro que é colocado pela empresa tem que ser multiplicado por dinheiro doado pelos funcionários. Ou um “challenge grant”: eu dou X se você (empresário ou governo ou comunidade) der Y.
No Brasil esta maneira de fazer doações não prosperou. Talvez não seja válida para a nossa cultura, ou quem sabe a estatura real dos salários determina sua inviabilidade. Por estas e por outras se desenvolveu, no Brasil, uma versão, digamos, mais cordial do Investimento Social Privado, que – da última vez que fiz os cálculos – era proporcionalmente mais volumoso que a filantropia empresarial americana. A medida usada foi comparar o volume de doações das 500 maiores empresas do país (EUA e Brasil) com seus respectivos PIBs.
Mesmo que proporcionalmente o recurso aplicado seja significativo, ele é muito pouco frente ao mar de necessidades sociais do país. Por isso, mesmo o terceiro setor de cunho empresarial no Brasil teve que desenvolver seu jogo de cintura. Se eu não tenho milhões de reais para doar preciso garantir a multiplicação do meu recurso através de parcerias tanto com o Estado quanto com a iniciativa privada ou comunitária.
O terceiro setor soube criar, aqui, tecnologias sociais de alta replicabilidade. Desta forma, ao invés de cada entidade reinventar a roda, há várias maneiras de aderir a tecnologias sociais já testadas e experimentadas, o que garante um impacto mais significativo. Além da potencialização do recurso, o fato é que o Investimento Social Privado vem aumentando segundo dados levantados pelo IPEA: de 2000 a 2004 a participação empresarial na área social aumentou 10 pontos percentuais, isto é, passou de 59% a 69%. O cálculo do IPEA é de que são 600 mil empresas que atuam voluntariamente, e que em 2004 teriam investido R$ 4,7 bilhões.
É importante ter em conta também que foram as grandes empresas que apresentaram a maior taxa de participação em ações comunitárias, apesar de que o crescimento mais expressivo se deu entre as microempresas e as de médio porte.
Temos, portanto, um cenário francamente ascendente no relacionamento entre empresas e terceiro setor no Brasil, o que se traduz num discurso socialmente engajado por parte dos empresários. Já não é mais uma aqui, outra acolá: a maioria das empresas começa a fazer a sua parte e a cobrar do governo que faça, com eficiência, o que lhe cabe para o desenvolvimento de políticas públicas de bem-estar social.
*Evelyn Ioschpe é ex-presidente fundadora do GIFE –Grupo de Instituições, Empresas e Fundações e presidente da Fundação Iochpe e do Instituto Arte na Escola
 
 

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