Ponto de Vista – Há necessidade de fiscalização do governo sobre o trabalho das organizações da sociedade civil? Por que?

Ponto de Vista – Há necessidade de fiscalização do governo sobre o trabalho das organizações da sociedade civil? Por que?

O gasto de todo recurso arrecadado com o propósito de servir ao interesse público deve ser controlado pela Sociedade Civil. Esta afirmação é válida tanto para os recursos gerenciados pelo governo como para aqueles captados e mantidos por organizações da sociedade civil. Há um entendimento crescente que o setor público, as ONGs e até mesmo as empresas precisam de melhor controle de gastos e resultados, pois estes afetam diretamente a vida dos cidadãos e o desenvolvimento do País.
Se há consenso sobre a importância do controle, o mesmo não ocorre quanto aos agentes e instrumentos e, aqui, entendemos que cabe uma diferenciação quanto à origem – privada ou governamental – dos recursos despendidos por uma organização privada.
Começando com os recursos privados, tomemos como exemplo duas organizações: uma sociedade por ações listada na bolsa de valores e uma ONG. O que têm em comum? Muito, pois captam a poupança popular ofertando em troca a promessa de lucro: a primeira, financeiro, com fins egoísticos; a segunda, social, com fins altruísticos. Por isso, os investidores em ambas têm as mesmas expectativas: gestão eficiente dos recursos em prol do objetivo social; ética e profissionalismo na tomada de decisão; transparência de gestão; prestação de contas e punição dos responsáveis em caso de mau uso do dinheiro amealhado.
Todas as sociedades listadas na bolsa de valores devem divulgar suas informações financeiras trimestralmente e todas as atas de suas assembléias, assim como as atas de reuniões de seu conselho de administração e informações relevantes que possam afetar o desempenho da empresa. Ademais, a gestão é controlada por um Conselho Fiscal, as contas são auditadas e as sociedades são fiscalizadas por um órgão do Estado – a Comissão de Valores Mobiliários. Transparência proporcionando o controle.
E com as ONGs, como funciona? Aquelas qualificadas como Oscip (Lei 9790/99) – e, infelizmente, apenas elas – seguem requisitos semelhantes, pois devem tornar públicas suas contas e relatório de atividades, devem adotar regras internas que impeçam o conflito de interesses e o favoritismo na tomada de decisão e sua gestão é controlada por um Conselho Fiscal, sendo as contas auditadas, porém, por razões de custos, apenas se houver o recebimento de recursos governamentais em montante superior a 600 mil reais. As ONGs, todavia, não tem um órgão governamental próprio que as controle. E isso é bom?
Sim, na medida em que não cabe ao governo fiscalizar “a priori” o dispêndio de recursos privados captados por organizações privadas sem fins lucrativos, enredando-as nas teias da burocracia de cadastros, muito papel e pouco controle real. Isso não funciona. Os desvios nas compras governamentais o evidenciam. Que eficiência pode existir no controle burocrático de 250 mil entidades por todo o país? Nenhuma. O controle deve existir, mas deve ser feito “a posteriori”, em caso de denúncia, pelo órgão encarregado constitucionalmente da defesa dos interesses da sociedade: o Ministério Público. Assim se dá o controle das fundações e das Oscips e – o que pouca gente sabe – das entidades que captam recursos da população em geral, seja por meio de mensalidades, deduções em contas de água, luz e telefone ou outras modalidades (DL 41/66).
Em outras palavras, sendo as organizações da sociedade civil, são, em última análise, de cidadãos, os quais, por sua vez, têm na vida social contemporânea a liberdade de agir de acordo com o seu livre arbítrio, respeitados os direitos dos demais, sendo sujeitos a sanções em caso de violação desses direitos. O melhor regime de controle é assegurar que os justos vivam tranqüilos e os injustos sejam punidos com rigor. Cabe às entidades da sociedade civil prestar contas da aplicação dos recursos que detêm e dos atos de sua administração e cabe à Sociedade Civil, de maneira difusa, controlá-los. Se há algo errado, que se acione o Ministério Público. Em tempos em que tanto se fala em cidadania, este controle pelos próprios cidadãos ainda está engatinhando.
Bem, e com relação aos recursos governamentais repassados às entidades? Nesse caso, já existem instrumentos institucionais de controle: as licitações, os Tribunais de Contas e a Secretaria Federal de Controle Interno, exclusivamente governamentais, e os conselhos com participação popular, normalmente criados com competências territoriais ou temáticas (criança, assistência social, etc). Também é prevista a publicação de todos os atos no Diário Oficial.
É suficiente? Não. É necessária uma revolução no controle do gasto público, pois, do lado do Estado, há baixo nível de preocupação com o desempenho na medida em que é preponderante a orientação para os meios e procedimentos – em detrimento dos fins – e uma tendência exagerada para regras e normas excessivamente formais e pouco efetivas. O controle formal deve ser substituído pelo controle de resultados.
A lei das Oscips, ao criar o termo de parceria, caminhou nesse sentido, ao prever, além da prestação de contas dos dispêndios – os meios – a análise de desempenho, comparando metas e resultados com o uso de indicadores objetivos – os fins perseguidos. É nos resultados que devem ser centrados o controle do Estado e da Sociedade Civil, pois ao privilegiar-se a forma e a burocracia, criam-se as condições para que a corrupção floresça, na medida em que o agente público desonesto se vale das dificuldades das normas para vender a sua facilitação. A mudança de foco é a chave. E a Sociedade Civil a tem no bolso. Apenas não se deu conta disso.
*Eduardo Szazi é advogado especializado em terceiro setor. Publicou, entre outros, o Livro Terceiro Setor, Temas Polêmicos e Terceiro Setor, Regulação no Brasil.

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