Ponto de vista – O papel do consumidor responsável frente a crise socioambiental contemporânea

Ponto de vista – O papel do consumidor responsável frente a crise socioambiental contemporânea

A crise socioambiental de nossos tempos tem se tornado assunto comum. Todos sabemos que algo não está bem, principalmente para a grande maioria da população. Entretanto, perceber esta crise na sua relação com os atuais padrões de produção e consumo parece ainda ser um grande desafio para homens e mulheres de todos os cantos do planeta.
Afinal, qual a relação entre as roupas e equipamentos eletrônicos que utilizo no dia a dia com o trabalho escravo no sudeste asiático? Ou, entre as embalagens dos produtos que consumo com a problemática dos resíduos sólidos? Pois bem, as relações são muitas, e explicitá-las é uma forma de aliar conscientização com estímulo à adoção, por todos os setores da sociedade, de práticas alternativas ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. Eis a razão deste artigo.
A chamada “sociedade de consumo” atingiu o seu ápice nestas últimas décadas. Nunca se consumiu tanto, e de forma tão desequilibrada com a capacidade de suporte e regeneração dos recursos naturais, ou com a busca por justiça social nas relações de trabalho e distribuição de riquezas.
Segundo dados publicados no livro “O Estado do Mundo: 2004”, realizado pelo WWI – WorldWatch Institute, mais especificamente no artigo “O estado do consumo hoje” de Gary Gardner, Erik Assadourian e Radhika Sarin, o consumo de metal multiplicou-se por 2,1, o de madeira por 2,5, o de plástico por 5,6, o de papel por 5 e o de minerais por 2,5 nas últimas quatro décadas. O consumo de água doce multiplicou-se por 3 nos últimos 50 anos, e o de energia elétrica aumentou 12 vezes entre 1850 e 1970, tendo aumentado mais 68% desde então.
Apenas para ilustrar, a frota de automóveis particulares na China cresce em 11.000 carros por dia, e a cadeia de fast food na Índia, 40% ao ano. Hoje, necessitamos de muito mais produtos para nos sentirmos satisfeitos, e, estes mesmos produtos, têm uma durabilidade muito menor do que há trinta anos. Enquanto um indivíduo de classe média gerava 300 gramas de lixo por dia em meados de 1970, hoje, este mesmo indivíduo gera algo em torno de 1,2 quilo, demonstrando claramente o aumento no consumo e da descartabilidade como traços culturais dos nossos tempos.
Por certo que este aumento no consumo global se deve a inúmeros fatores, representando inúmeros avanços para a vida e para o conforto sociais: a busca por maior comodidade e praticidade, os avanços tecnológicos que aprimoraram em muito os processos produtivos e ampliaram a oferta de produtos e serviços, a melhoria nos transportes, o aumento populacional, o barateamento da energia elétrica, as novas estruturas comerciais a partir da globalização, os meios poderosos de comunicação e marketing etc.
Entretanto, tanto avanço e prosperidade não tem se refletido de forma positiva para a maior parte da população do planeta. Pelo contrário. O que era para ser bom tem se tornado uma das principais causas de tantos desequilíbrios contemporâneos, quer nas relações entre humanos, quer na relação destes para com a natureza. Senão vejamos: apenas 27% da população do planeta são inseridos na classe de “Consumidor Global”, sendo que as desproporções no consumo são assustadoras: 12% da população mundial que vive na América do Norte e na Europa respondem por 60% do consumo privado global enquanto que a terça parte da humanidade que vive no sul da Ásia e na África representa 3,2% desse mesmo consumo.
E mesmo com tanta desigualdade, o impacto socioambiental do consumo desses 27% tem assumido proporções catastróficas: segundo o instrumento desenvolvido pela WWF International designado “Índice Planeta Vivo”, os últimos trinta anos representaram um declínio na saúde ecológica dos ecossistemas da ordem de 35%, e um grande aumento do trabalho “semi-escravo” nas chamadas Zonas de Processamento de Exportação: havia 79 ZPE´s em 1975; hoje, elas somam mais de três mil, empregando cerca de 43 milhões de trabalhadores em países do “Sul” do planeta. Fora isso, são muitos os dados hoje disponíveis que relacionam consumo em massa com aumento de doenças como o tabagismo e a obesidade, e com a diminuição da participação político-comunitária por indivíduos de todas as partes do globo.
Diante deste quadro insustentável, temos, indivíduos, empresas, governos e sociedade em geral, o desafio de inventar e exercitar novas relações de produção e consumo que se direcionem para um horizonte mais sustentável, do ponto de vista social e ambiental. E as alternativas não são poucas.
Do ponto de vista das empresas ligadas ao setor produtivo, as possibilidades de adequação de seus sistemas aos princípios da sustentabilidade ambiental vêm se tornando cada vez mais concretas por meio de conceitos como “Produção + Limpa” e “Ecoeficiência”, que prevêem medidas de eficiência energética e hídrica, de redução do uso de matéria prima segundo princípios do ecodesign, programas de redução da poluição e de reaproveitamento de resíduos ou refugos no próprio processo produtivo. Tais medidas têm se mostrado extremamente efetivas, e até rentáveis para as empresas que a adotaram.
Do ponto de vista dos governos, a tributação “verde” e o aprimoramento da legislação ambiental e de defesa dos direitos do consumidor são ferramentas extremamente úteis para a desaceleração desse processo desenfreado, aliando fiscalização com políticas de incentivo a práticas ambientais e socialmente mais responsáveis.
Por fim, e não menos importante, do ponto de vista dos consumidores – que tanto podem ser indivíduos como governos ou mesmo empresas (compras institucionais) -, a opção por produtos e serviços “verdes” ou “justos” deve ser utilizada como ferramenta de pressão para ou de apoio a práticas mais responsáveis por aqueles que ofertam produtos ou serviços, ou mesmo, encarada como um dever por aqueles cidadãos que já se deram conta de que o nosso planeta possui limitações próprias, e que uma vida harmônica e sustentável só se constrói a partir de um compromisso de co-responsabilidade assumido e exercitado por todos.
Enfim, todos temos à nossa mão a possibilidade de intervir diretamente nesse processo. Cabe a cada um de nós escolher que mundo quer apoiar e construir para as futuras gerações.
 
Fabíola Marono Zerbini é advogada, especialista em Educação Ambiental pela Esalq/USP, doutoranda em Ciência Ambiental pelo Procam/USP, atual presidente do Instituto Kairós e secretária executiva do faces do Brasil –Fórum de Articulação do Comércio Ético e Solidário

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