Ponto de vista – Um estímulo às potencialidades humanas

Ponto de vista – Um estímulo às potencialidades humanas

Os estudos mais recentes publicados na área de política social em todo o mundo têm demonstrado que o problema da exclusão se apresenta numa perspectiva nova, na qual o modelo clássico de capital x trabalho não é suficiente para oferecer as explicações e soluções necessárias às demandas encontradas. Não há franjas de pobreza, de miséria ou desemprego; há muito estes deixaram de ser problemas isolados e pontuais e formam um problema mais completo, estrutural que, aliado à mudança de paradigma do mundo do trabalho, com a introdução das novas tecnologias, aumenta a distância entre as crescentes maiorias empobrecidas e a pequena parcela da população que se beneficia da acumulação da riqueza. Aumenta também a divisão entre os que estão aptos ao mercado de trabalho e os que foram excluídos por falta de oportunidade, de escolaridade, de acesso aos bens do conhecimento, entre outros motivos.
Embora o Estado e a sociedade tenham de trabalhar na perspectiva permanente de integrá-los por meio das políticas de geração de trabalho e renda, programas de economia solidária, reforma agrária, capacitação e formação profissional, agricultura familiar, há de se considerar uma significativa parcela da população brasileira que exige um tempo maior e uma ação contínua, mas de efeito emergencial.
Amartya Sen, indiano prêmio Nobel de economia de 1998, ao tratar o conceito de desenvolvimento humano, afirma que a pobreza não diz respeito apenas a baixo nível de renda, mas à privação das capacidades básicas dos indivíduos, que lhes limita as oportunidades na vida. Não podemos negar que há pessoas, famílias, e às vezes comunidades inteiras que, excluídas do processo produtivo, perderam a identidade, a auto-estima e a confiança, enfim ficaram totalmente sem rumo. Eles perderam a capacidade de ter ação mais construtiva e uma vida social; ficaram à margem de todo e qualquer processo. Por isso demandam atenção imediata e especial dos governos e da sociedade civil, numa ação integrada de recuperação em curto prazo dessas pessoas.
No desenvolvimento de projetos de geração de trabalho e renda, são importantes as parcerias entre Estado e sociedade civil organizada. É fundamental que se realize um trabalho anterior com essas pessoas, no sentido de recuperar valores, sua auto-estima, seus projetos de existência. Isso é o que chamamos de trabalho de conscientização e de organização das pessoas e das famílias na perspectiva que elas se situem com maior compreensão na realidade onde vivem e se preparem para as mudanças.
A realidade pede um novo olhar, uma reconstrução dos projetos sociais que considere o problema da exclusão em todas as suas dimensões – econômica, social, digital, de conhecimento, dentre tantas outras. Nesse sentido, as políticas de transferência de renda, como já reconheceram a própria e o Banco Mundial, são exigência objetiva. Ou fazermos isso ou as pessoas, famílias ou mesmo comunidades inteiras vão para a miséria absoluta.
Os programas de transferência de renda com condicionalidades, como o Bolsa Família, são uma resposta à essa exigência de ação imediata e urgente para evitar agravamento da desigualdade social existente no País. Ao mesmo tempo, elas têm ação vigorosa na reestruturação dos vínculos familiares e no estabelecimento do equilíbrio social quando assumem caráter central e articulador de outras políticas sociais estruturantes. Além de garantir aos grupos mais vulneráveis da população o consumo de bens básicos, esses programas buscam investir na formação de capital humano, por meio da melhoria de suas condições de saúde, nutrição e escolaridade, e assegurar a permanência do núcleo e dos vínculos familiares em seus locais de origem.
Os investimentos em políticas de transferência de renda têm, no mínimo, duas dimensões a considerar: a primeira, motivadora, é a dimensão ética do respeito à vida, da garantia do suprimento das necessidades básicas do ser humano, e a segunda, econômica, de estímulo às economias locais. Nanak Kakwani, diretor do Centro Internacional de Pobreza e Ernesto Pernia, economista do Banco Asiático de Desenvolvimento, ao estudarem o desenvolvimento “pró-pobre”, demonstram evidências de que o investimento em necessidades básicas humanas melhora a produtividade e o crescimento econômico. Além de criar cidadãos, o governo cria também consumidores que vão dinamizar pequenas economias, estimulando um crescimento com distribuição de renda.
Que o caminho para emancipação das pessoas é o trabalho, isso não se discute. É o trabalho que conforma a dignidade humana ao promover a quebra do círculo vicioso da pobreza e instituir o círculo virtuoso do crescimento, do desenvolvimento. No entanto, é necessária uma intervenção do Estado para diminuir a situação emergencial de desigualdade e criar condições para que as pessoas se integrem ao mercado de trabalho. Concretamente devemos perceber que o trabalho ainda não se oferece para todos; quer por falta de vaga, quer por falta de qualificação das pessoas, quer por outros motivos. E ainda há aqueles que, mesmo participando do mundo do trabalho, não reúnem, pelo menos em um primeiro momento, condições de satisfazer suas necessidades básicas de bens e serviços.
Para essas pessoas, a transferência de renda significa a porta de entrada a direitos básicos –alimentação de qualidade, com regularidade e quantidade adequada, educação e saúde. A partir daí, o Estado, sempre em parceria com a sociedade, deve coordenar esse programa em conjunto com as medidas estruturantes que promovem as portas de saída, como os programas de geração de trabalho e renda. Os programas de transferência de renda impedem que os mais pobres sigam o caminho da indigência e assegura a essas pessoas as oportunidades para que elas construam o caminho da sua emancipação social.
*Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
 

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