Quem é quem

Quem é quem

Especialmente nos últimos dois anos, com a aceleração do senso de urgência sobre o tema da sustentabilidade, vários leitores desta coluna passaram a solicitar com alguma insistência a publicação de rankings de empresas mais ou menos sustentáveis. Descontado um certo interesse, demasiadamente humano, por apenas confirmar os seus julgamentos sobre empresas, o aumento dos pedidos de listas diz algo novo sobre uma parte dos brasileiros: há cada vez mais gente sensível às questões socioambientais, mais crítica, atenta e interessada em obter informações que ajudem a identificar quem é quem nesse universo marcado por discursos mais pródigos do que práticas.
Exceção feita ao Guia de Sustentabilidade da revista Exame, que destaca, sem ordem específica, as 20 empresas modelares em sustentabilidade, não há listas desse gênero disponíveis no Brasil.  Ninguém se aventura nessa tarefa difícil talvez para não fazer inimigos. O que torna a missão mais espinhosa é a ausência de um conceito integrador de sustentabilidade empresarial e também de critérios de seleção capazes de suportar análises firmes e comparações corretas.
À falta de um ranking específico, vale a pena destacar pesquisa feita entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010 pela Market Analysis, no âmbito do Monitor de Responsabilidade Social Corporativa. Seus pesquisadores fizeram duas perguntas a 810 pessoas, entre 18 e 69 anos, residentes em São Paulo,  Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia e Brasília. A número 1:  “Cite o nome da primeira empresa grande que lhe vem à cabeça que você acha que cumpre suas responsabilidade sociais e ambientais melhor do que as outras?” E a número 2: “Que empresa não cumpre bem essas responsabilidades?”
O que mais chama a atenção no resultado (confira quadros no início deste artigo) é que as apontadas como as três melhores (Petrobrás, Banco do Brasil e Coca-Cola) aparecem também entre as dez piores. Como explicar? Sobre o estudo, cabe, de antemão, ressaltar que foi realizado a partir de entrevistas com pessoas comuns e não com especialistas em sustentabilidade. Logo, representa a síntese de opiniões que não refletem uma análise fundamentada (provavelmente alguns entrevistados não tenham sequer compreendido o que significam responsabilidades sociais e ambientais), mas de uma percepção nascida de estímulos de informação recebidos no último ano. Essa particularidade torna a sondagem ainda mais interessante.
Não por acaso, as primeiras do ranking popular são companhias que investem em comunicação associando sua imagem à sustentabilidade, o que permite concluir, de partida, que a propaganda faz sim diferença. Não fosse assim, seria forçoso crer na hipótese de que os indivíduos formam impressões sobre empresas observando o movimento das estrelas no céu. A propaganda aumenta, é claro, a visibilidade, distribui mensagens favoráveis à empresa e reforça a sua intenção de ser percebida por suas preocupações socioambientais. Mas também a deixa muito mais exposta a julgamentos. Bons e ruins. Isso pode ser especialmente preocupante no caso brasileiro. A análise de uma década de pesquisa do mesmo Monitor de Responsabilidade Social Corporativa, da Market Analysis, revela que o brasileiro é um dos que têm mais expectativas em relação à atuação sustentável das empresas e também um dos mais exigentes quanto às suas práticas efetivas. Expectativas maiores versus menor percepção de entrega significa, na prática, mais possibilidade de frustração.
O fato de que as melhores aparecem entre as piores do ranking pode indicar duas coisas. Primeiro, a mensagem de comunicação não está chegando clara para todos os brasileiros; o que pode ser atribuído à limitação de canais e a ruídos no processo decorrentes da dificuldade de compreensão por parte dos receptores. Segundo, a mensagem de comunicação está chegando clara sim, mas impacta os receptores de formas diferentes: sublinha a aura de simpatia entre os que tendem a gostar de determinada empresa por um conjunto de outras razões que não as socioambientais (a postura do “Está vendo, eu sabia que ela é legal!”) ou, na outra ponta, reforça a bronca dos que não gostam da empresa e tendem a ver exagero ou mentira no seu discurso de sustentabilidade (o comportamento “Ela não é nada do que diz ser!”).
Conheço muita gente que, por princípio, não acredita em propaganda de sustentabilidade, agarrada à tese de que, como está começando agora na incorporação de práticas sustentáveis, a maioria das empresas têm pouco a mostrar além de intenções. Exagero. Nem todas estão iniciando agora. E já há práticas consistentes que merecem ser comunicadas. No entanto, a resistência – racional ou emocional – é um obstáculo a se transpor pelos que elaboram estratégias e mensagens de comunicação da sustentabilidade.
Certamente, o leitor já se deparou com algum parente ou colega que, contrariado com determinada empresa, graças a uma experiência ruim vivida, só faz realçar os seus defeitos. Pois bem, para esta pessoa, a propaganda de sustentabilidade muito provavelmente não mudará seu ponto de vista. Pior, pode aumentar sua irritação.
Para os brasileiros mais bem informados sobre o comportamento socioambiental de empresas – 21%, segundo o Monitor de RSC 2010 – e, portanto, mais aptos a fazer avaliação contextualizada, uma propaganda de sustentabilidade que esconda incoerências e venda posicionamento arrogante soará ofensiva.
A título de reflexão final sobre os dados do estudo da Market Analysis, registro aqui uma conclusão e quatro recomendações. A conclusão óbvia é que, analisando a partir da média da população (não os formadores de opinião dos grandes centros), ainda não existe no Brasil um top of mind em sustentabilidade, razão pela qual há muito trabalho a fazer na comunicação da sustentabilidade.
Das quatro recomendações, três se destinam às empresas. (1) Se quiserem ser percebidas como sustentáveis precisam fazer corretamente sua lição de casa, mudando processos e produtos, para só depois comunicarem seus feitos. Além de demonstrar coerência nesses tempos de consumidores desconfiados, essa atitude – sensata embora muitas vezes ignorada graças ao açodamento do marketing -, expõe menos a julgamentos não favoráveis. (2) Ao comunicarem, privilegiem antes os stakeholders mais próximos – funcionários, fornecedores, comunidades e clientes — dando-lhes o tempo de se apropriarem do tema para só depois atingirem o grande público via meios de comunicação de massa. E, por último, (3) tomem cuidado com o discurso excessivamente autopromocional. Pode ser um tiro no pé.
Aos leitores que querem analisar as empresas segundo seu comportamento socioambiental (4) recomendo que leiam jornais e revistas, observem eventuais incoerências tornadas públicas entre discurso e prática, visitem os sites, vejam se a empresa publica relatórios e se esses documentos são certificados por uma terceira parte; analisem se a sustentabilidade está na missão  e se tem ênfase no discurso de seu presidente, avaliem o quanto a companhia é transparente  em sua comunicação, informando sobre os seus dilemas e as soluções trabalhadas para enfrentá-los.

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