Reflexão – Ação social das empresas: a escolha do público alvo

Reflexão – Ação social das empresas: a escolha do público alvo

Não raras vezes, ouve-se a crítica de que, hoje em dia, as empresas socialmente responsáveis só querem investir em projetos sociais voltados para crianças e jovens, pois são estes projetos que trazem melhor retorno de imagem. Elas estão cada vez mais deixando de investir no idoso, nos dependentes químicos, no morador de rua. Ou seja, na medida em que se tornam socialmente responsáveis, as empresas apóiam cada vez menos as entidades assistenciais. Uma contradição? Podem elas ser criticadas por isto?
De imediato, há que se reconhecer a existência de um problema real: com o avanço do movimento da responsabilidade social corporativa (RSC), as entidades de assistência social passaram a perder o apoio financeiro que antes recebiam do meio empresarial. Daí a sobrevivência de muitas entidades beneficentes estar hoje ameaçada, correndo risco de ser descontinuado o importante trabalho humanitário que elas realizam em prol da população carente de idosos, órfãos, doentes mentais e cegos, entre outros.
Como se vê, estão aqui colocadas duas questões relevantes bem distintas. A primeira refere-se ao julgamento de valor quanto ao trabalho desenvolvido pelas entidades assistenciais. E a segunda questão diz respeito ao seu financiamento.
Quanto ao primeiro ponto, é inegável que o trabalho humanitário das entidades filantrópicas tem caráter essencial (quando bem conduzido), e não pode perder o fôlego em nenhum lugar do mundo. Independentemente do nível de desenvolvimento de cada país, sempre haverá espaço para situações de desigualdade interpessoal – não apenas social, como também física, intelectual e moral – a serem enfrentadas com desprendimento, generosidade e compaixão. É o que, em essência, caracteriza os trabalhos de filantropia e caridade.
No entanto, há que se reconhecer que, no Brasil, palavras como assistência social, filantropia, caridade e ajuda estão atualmente impregnadas de forte sentido negativo, sobretudo no âmbito corporativo. Uma possível explicação seria a de que estes termos passaram, por alguma razão, a serem vistos como sinônimos para assistencialismo que, conforme explicação do mestre Houaiss, significa “a assistência prestada a membros carentes ou necessitados de uma comunidade em detrimento de uma política que os tire da condição de carentes ou necessitados”.
Vale notar que esse desvirtuamento de significado não ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, em que o termo filantropia corporativa segue sendo usualmente utilizado. Tanto que ao referir-se ao papel relevante que ela pode vir a desempenhar no contexto das empresas, Michael Porter, renomado professor da Harvard Business School, usou a designação “filantropia estratégica”.
Quanto à segunda questão, colocaria aqui a seguinte pergunta: será que deveria caber ao setor privado a responsabilidade por financiar as entidades filantrópicas, ou seja, a empresa socialmente responsável deveria ter o compromisso com a manutenção dessas instituições?
A meu ver, a resposta é não. E por uma razão simples: as empresas são empresas e não governo. Quer isto dizer que, do ponto de vista social e humanitário, as responsabilidades são distintas. As empresas têm compromisso básico com o seu negócio e, portanto, restrito àqueles grupos de pessoas que estão, de alguma forma, envolvidos com ele (proprietários, colaboradores, clientes, fornecedores, o governo e a comunidade do entorno). Por sua vez, o governo tem o compromisso mais amplo de atender as necessidades básicas da população como um todo e, por uma questão de justiça social, deveria focalizar justamente o atendimento aos mais necessitados.
Feita essa distinção, decorre daí que as empresas só devem atuar na área social e humanitária na medida em que essa atuação trouxer algum benefício, direto ou indireto, para os seus negócios. Muito provavelmente é o caso dos projetos de geração de renda, educação, cultura e esporte, voltados para crianças e jovens. E, menos provavelmente, é o caso das ações assistenciais, como os projetos de apoio a idosos, doentes mentais e portadores de síndrome de Down. Porém, o governo, sim, tem a responsabilidade de fortalecer e garantir a continuidade do importante trabalho realizado por essas entidades beneficentes.
Poder-se-ia questionar, no entanto, por que depois do advento do movimento da RSC–Responsabilidade Social Corporativa, as doações do setor privado para as entidades filantrópicas começaram a minguar. A esse respeito, é preciso entender que, até a década de 1990, as doações corporativas estavam associadas basicamente à figura individual do dono da empresa ou do seu principal executivo, e tinham um sentido predominante de caridade, ajuda e generosidade. Com o avanço do movimento da RSC, a ação social da empresa vem cada vez mais deixando de ser aquela atividade totalmente periférica aos negócios, para se transformar em uma prática de gestão que deve estar inserida no contexto corporativo.
Face a essa mudança, a solução para as entidades filantrópicas está em obter o financiamento junto às instâncias competentes do setor público. Ou buscar ajuda junto às pessoas e famílias caridosas e de boa vontade. Ou ainda obter o apoio das empresas, condicionado a critérios de retorno privado.
Por último, e a título de conclusão, é importante ficar claro que se, por um lado, não se pode exigir das empresas compromisso quanto à escolha do público-alvo de sua ação social, por outro lado, elas devem ter, sim, rigoroso compromisso com o que elas anunciam estar fazendo em benefício do público-alvo atendido. Ou seja, deve-se exigir das empresas a convergência máxima entre o que elas dizem que fazem na área social e o que efetivamente elas estão fazendo.
*Maria Cecília Prates Rodrigues é autora do livro “Ação social das empresas privadas: como avaliar resultados” (Editora FGV) e consultora para responsabilidade social e ação social das empresas..

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