Reflexão – Avaliação de Investimentos Sociais: paradigmas e escolhas

Reflexão – Avaliação de Investimentos Sociais: paradigmas e escolhas

A avaliação de investimentos sociais oferece muitas vantagens. Ela permite aos gestores entenderem seus investimentos em toda sua complexidade (o que nem sempre é o caso especialmente quando os projetos são formulados e implementados por terceiros); verificarem se os objetivos dos investimentos estão sendo atingidos; identificarem de um modo sistemático e coerente o impacto dos investimentos nos diferentes grupos-alvo; monitorarem com clareza o progresso e a evolução de seus projetos, maximizando seus impactos e, principalmente, terem instrumentos de gestão confiáveis para o aprimoramento de seus programas de responsabilidade social. Com o enfraquecimento do paradigma assistencialista na estruturação dos investimentos sociais no mundo inteiro, é natural que a avaliação seja vista como um instrumento central na gestão, planejamento e comunicação de resultados, influindo decisivamente na eficácia do gasto social.
Dentro desse contexto, o maior problema atual vivido por empresários e gestores sociais em todo o mundo refere-se à escolha entre diferentes modelos de avaliação disponíveis para a implementação de sistemas de monitoramento e elaboração de estratégias de investimento social. O conhecimento geral sobre os paradigmas usados por diferentes consultores ou equipes de avaliação é importante para uma melhor escolha e discernimento dos resultados. A escolha, mesmo quando implícita, é usualmente feita entre três paradigmas, que são: o utilitarista, o participativo e o das capacitações.
O paradigma utilitarista vê no somatório das utilidades, ou dos recursos totais, o principal parâmetro a ser monitorado. Desse modo, preocupa-se com as diferentes quantidades de recursos alocados em diferentes linhas de gasto. Empresas que simplesmente divulgam o quanto de recursos alocaram em seus investimentos sociais esperam que o impacto de suas ações seja inferido na ordem direta da magnitude dos recursos. Mas isso nem sempre acontece. Projetos de fraca gestão podem levar a grandes desperdícios ou encobrir outras categorias de gasto (como publicidade escondida em rubricas de investimento social). Além disso, o paradigma utilitarista ignora que a promoção de meios é uma condição necessária, mas não suficiente, à obtenção de fins. Por conseguinte, tem sido cada vez menos utilizado. Trabalhos recentes do prêmio Nobel professor Daniel Kahneman e do professor Ed Diener, entre outros, têm mostrado como os recursos são indicadores imperfeitos de bem-estar, reforçando o descrédito no modelo utilitarista como base avaliatória.
O paradigma participativo talvez seja hoje o modelo mais utilizado de avaliação em países subdesenvolvidos. Ele é o resultado de um esforço na década de oitenta de empoderar os mais vulneráveis, permitindo-lhes acesso a esferas de decisão. O trabalho do economista Robert Chambers e, mais recentemente, do Banco Mundial, conhecido como “Vozes dos Pobres”, é uma ilustração conhecida desse modelo avaliatório, cujo fundamento são os conhecidos ‘grupos focais’ nos quais os indivíduos do público-alvo têm a oportunidade de discutir e expressar suas visões diretamente sobre os objetos em discussão. Os méritos desse paradigma não podem ser ignorados: estratégias bottom-up e a construção social de novas realidades têm um papel importante em si mesmas. Mas isso não significa que esse paradigma esteja livre de críticas. As mais recentes, estruturadas pela filósofa da Universidade de Chicago, Professora Martha Nussbaum, mostram como o uso de métricas subjetivas para a avaliação de bem-estar pode distorcer os resultados da análise. Pessoas sujeitas a privações e abusos constantes desenvolvem mecanismos de defesa dentro dos quais pequenos contentamentos são vistos como grandes realizações. Muitas vezes também resultados de grupos focais são afetados pelos interesses dos monitores. Nesse quadro, processos de consulta mostram-se pouco confiáveis.
Por último, cabe mencionar o paradigma das capacitações, desenvolvido pelo prêmio Nobel Professor Amartya Sen, da Universidade de Harvard. De acordo com esse modelo de avaliação, os indivíduos são analisados de acordo com os seus ‘funcionamentos’ (o que as pessoas podem ser ou fazer) em um framework multidimensional. Ao invés de usar a métrica dos recursos, como o utilitarismo, ou a métrica subjetiva, como o paradigma participativo, propõe a métrica objetivados funcionamentos e capacitações para o monitoramento do impacto dos programas sociais. Esse espaço informacional não sofre das distorções as que estão sujeitas os outros modelos e tem o mérito de enfatizar a liberdade dos indivíduos (nas suas dimensões de autonomia e agência) como os principais pontos em uma avaliação.
Escolher o modelo avaliatório é, portanto, o primeiro passo para uma empresa na avaliação de seus projetos sociais. Como argumentado, avaliações mais objetivas, estruturadas segundo os seus efeitos multidimensionais sobre os participantes são mais desejáveis tecnicamente, mas empresas podem desejar usar outros modelos avaliatórios conforme seus objetivos estratégicos. O segundo passo é construir um modelo avaliatório em associação a um ‘monitoramento-com-acompanhamento’, possibilitando fazer uma análise evolutiva do progresso dos indivíduos beneficiados pelos investimentos sociais. A comparabilidade é também um quesito fundamental, pois análises contextuais, por mais ricas que sejam, dão pouca ajuda na gestão de recursos (principalmente no seu componente alocativo) entre diferentes grupos. Por fim, cabe ressaltar a importância de gerar avaliações em sincronia com Padrões Internacionais de Avaliação de Programas Sociais, para que a contribuição dos investimentos sociais possa ser avaliada em função de estratégias internacionais de desenvolvimento humano. A avaliação de investimentos sociais não necessita ser uma caixa preta. Conhecer o modelo avaliatório e solicitar que seus elos com gestão, planejamento e comunição dos resultados sejam explicitados é fundamental em estratégias de investimento social bem-sucedidas.
Flavio Comim é economista, professor da UFRGS, fellow do St Edmund’s College, Universidade de Cambridge e consultor da HMetrics Avaliação de Projetos Sociais

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