Reflexão – O ponto cego da liderança: acessando o poder de presenciar

Reflexão – O ponto cego da liderança: acessando o poder de presenciar

 
 
C. Otto Scharmer
 
(Versão editada e traduzida por Maria Cristina d´Arce, a partir de original ainda não publicado: “The blind spot of leadership: acessing the power of Presencing“, com permissão do autor.)

Vivemos em um tempo de fracasso institucional generalizado. Criamos, coletivamente, resultados que nenhum de nós deseja. Mas porque nossas tentativas de lidar com os desafios de nosso tempo frequentemente fracassam?
Acredito que a causa deste nosso fracasso coletivo reside no fato de sermos cegos para dimensões mais profundas de liderança e mudança transformacional. Temos um “ponto cego” que existe não somente em nossa liderança coletiva mas também em nossas interações sociais diárias.
Somos cegos para a dimensão fonte, a partir da qual a liderança eficaz e a ação social se originam. Sabemos muito sobreo que lideres fazem e como o fazem. Mas sabemos muito pouco sobre o lugar interior, a fonte a partir da qual agem.
O sucesso da liderança depende da qualidade da atenção e intenção que os líderes trazem para cada situação. Dois líderes, nas mesmas circunstâncias, fazendo a mesma coisa, podem gerar resultados completamente distintos, dependendo do lugar interior a partir do qual cada um deles age.
Aprendi isto com Bill O´Brien, o já falecido CEO da Hanover Insurance. Quando lhe pedi para sumarizar sua experiência mais importante, liderando mudanças profundas, ele respondeu: “O sucesso de uma intervenção depende da condição interior de quem intervem”. Com isto queria dizer que liderança bem sucedida depende do estado interior do líder, da qualidade de atenção que traz ‘a situação.
Para fazer frente aos desafios urgentes de nosso tempo, líderes precisam parar de “baixar” (fazer download) antigos padrões; desacelerar e aprender a escutar de forma mais profunda, mais aberta e mais coletiva. Em outras palavras, precisam ter consciência de seu “ponto cego”.ponto cego em questão aqui é a fonte suprema de toda grande liderança – sua autoconsciência e autoconhecimento.
O ponto cego permanece escondido de nossa visão habitual porque é algo que não podemos observar fora de nós mesmos. Ele se torna visível somente quando interrompemos nossas ações rotineiras, desaceleramos e nos tornamos conscientes da fonte de nossas ações. Aprender a agir a partir desta consciência profunda, de forma mais intencional, constitui o que acredito ser a alavanca mais poderosa de liderança de nossa época.
Líderes com freqüência empacam entre dois mundos. De um lado, possuem um conjunto completo de teorias de aprendizagem e metodologias, todas baseadas no mesmo modelo subjacente: aprender a partir das experiências do passado. Este é o arsenal de ferramentas que gestores, consultores e escolas de negócios estão atualmente trabalhando. Por outro lado, quase diariamente, se deparam com realidades para as quais o arsenal não oferece ferramentas corretivas.
O que os líderes necessitam é um segundo conjunto de ferramentas – que os auxilie a aprender do futuro ‘a medida em este emerge no agora.
 
Por futuro que emerge quero dizer o sentir uma possibilidade futura, que é ao mesmo tempo muito pessoal e extremamente prática. Não é ficção ou pensamento desejoso. É sutil – e real. É real no sentido de que ajuda lideres a dar respostas distintas, mais rápidas e melhores para desafios complexos.
E como pode um líder encontrar sua fonte mais profunda de aprendizagem? Os que desejam acessar seu ponto cego e sua capacidade de presenciar, devem abraçar uma jornada que lhes demanda parar de fazer o download de padrões rotineiros de pensamento e ação e conectar-se com um sentido de uma possibilidade futura que os inspira a pensar e agir de novas maneiras.
 
Presenciando o futuro que emerge – Seis habilidades de liderança
 
A jornada, como indicada na figura, segue o processo em formato de U.
O processo de presenciar consiste de três grandes movimentos: descer um lado do U (parar o dowloading, desacelerar, observar, observar e observar), conectar-se com a fonte (aquietar-se) e subir o outro lado do U (cristalizando a intenção, prototipando e desempenhando o novo).
Olhemos esta jornada em detalhes. Seu roteiro foca a atenção do líder para fora e para dento, ao mesmo tempo. É uma jornada que alavanca três instrumentos do conhecer: a mente aberta, o coração aberto e a vontade aberta (soltar o antigo e deixar vir, receber o seu próprio Eu futuro que emerge). Esta jornada resulta em uma conexão sutil com uma possibilidade futura que deseja emergir.
Parar o downloading: desacelerar e escutar
 
Escutar downloading é escutar reafirmando nossos julgamentos habituais. Quando tudo o que acontece confirma o que já sabe, você está escutando através de um downloading. Bons líderes são bons ouvintes. Podem até chegar a acessar um nível refinado de escuta que chamamos de Escuta Generativa. Este escutar nos conecta com uma esfera muito profunda: o campo emergente de possibilidade futura. Ele nos exige uma conexão com o mais alto futuro potencial. Algo muito maior do que nós mesmos.
Em meu trabalho com empresas globais, instituições e comunidades em várias culturas tenho visto líderes debatendo-se com um mesmo desafio fundamental:modificar a qualidade da atenção individual e coletiva das pessoas – ou seja, como se conectam uns aos outros – de defensiva e reativa para dialógica e generativa.
 
 
Sentir: Vá aos lugares de maior potencial e observe, observe.
 
O fator limitador para se conseguir uma mudança transformacional não é a falta de visão ou idéias, mas a incapacidade de sentir – ou seja, de ver mais profundamente, com mais precisão e coletivamente.
Um grupo de gestores que atinge tal profundidade e clareza de sentir torna-se consciente de seu potencial coletivo – quase como se tivessem desenvolvido um órgão novo e coletivo de enxergar. Goethe fala disto com eloqüência: “Todo objeto, bem contemplado, abre dentro de nós um novo órgão de percepção”.
Porém esta não é uma prática comum. Quando se trata de organizar a gestão do conhecimento, estratégias, inovação e aprendizagem, nós terceirizamos este processo de sentir para especialistas, consultores e professores que nos contam como o mundo funciona. Para problemas simples, esta pode ser uma abordagem adequada. Mas quando se trata de inovação em negócios, esta abordagem é completamente disfuncional. Percepção é a última coisa que um verdadeiro inovador terceirizaria. Em inovação, nós mesmos temos que ir a lugares, conversar com pessoas, ficar em contato com os problemas ‘a medida que se desdobram: contexto é um elemento crucial em inovação.
O que aprendi trabalhando com empresas para fortalecer suas capacidades de sentir, é que precisam de ferramentas e métodos voltados para o exterior – jornadas de aprendizagem, praticas de observação direta, entrevistas com partícipes e métodos de modelagem coletiva – como também de ferramentas complementares que trabalhem o interior e dão vida ‘as praticas do sentir.
Aquietar-se: Conectar-se com a fonte do conhecimento interior e permitir que ele emerja.
 
Na raiz de toda grande liderança está o poder de conectar-se com uma fonte mais profunda de potencial e possibilidades pessoais. Este sentido mais profundo de propósito nos conecta com a essência do que realmente somos – ou mais precisamente quem estamos nos tornando ‘a medida que evoluímos como seres humanos, individual e coletivamente.
Por muitos anos tenho trabalhado com aproximadamente 1000 líderes de companhias globais (e pequenas também) e instituições neste nível mais profundo de liderança e desenvolvimento de lideranças. Fazendo uma retrospectiva, tenho duas observações significativas. A primeira é que um grande número de pessoas alcançou a escuta generativa e outras formas superiores de atenção que os conectam com fontes mais profundas de criatividade e de seu próprio Eu. A maioria das pessoas com uma real liderança, responsabilidade criativa e empreendedora – especialmente líderes que conduziram uma organização através de transformações expressivas – tem experiências mais profundas de desapegar-se e abrir mão de seu antigo Eu, e deixar chegar o Eu que deseja emergir.
Existe um grupo crescente e importante dizendo, “Eu quero ambas: uma carreira verdadeira em uma instituição verdadeira E quero contribuir com minha comunidade e com a sociedade AGORA – não quando me aposentar.” Estão buscando uma nova linhagem de empresas que são um híbrido – bem sucedidas financeiramente e uma força ativa para a mudança positiva no Mundo.
Minha segunda observação é que os líderes atuais anseiam genuinamente por um ambiente no qual a reflexão pessoal profunda, quietude, contemplação e conexão com sua fonte interior de conhecimento sejam possíveis.
Cristalizando visão e intenção
 
A conexão de um líder com a fonte de sua intenção, se sustentada, conduz a um forte compromisso. Eu pessoalmente compreendi o poder da intenção trabalhando e escutando profissionais destacados. Um deles é Nick Hanauer, fundador de uma meia dúzia de empresas. Diz ele: “Uma das minhas frases favoritas, de autoria de Margaret Mead, sempre foi, ‘Nunca duvide que um pequeno grupo de cidadãos sérios e comprometidos pode mudar o mundo. Seguramente, é a única coisa que sempre o fez’”.
Para chegar a cristalizar a visão e intenção, primeiro você tem que passar por todo o processo de abertura de que falo acima – descer o U (parar de fazer download, desacelerar para observar, observar). A maioria das empresas gasta muito tempo do lado direito do U (falando sobre ações) sem primeiro criar as condições para acessar as fontes de quietude e criatividade coletiva.
Prototipar e desempenhar
 
Eu trabalho bastante com pessoas treinadas como engenheiros, cientistas, administradores e economistas (como eu fui). Mas quando se trata de inovação, todos nós recebemos a educação errada. Em todo o nosso processo educacional e de treinamento, faltava uma habilidade importante: a arte e prática de fazer protótipos.
Prototipar exige que você primeiro esvazie todo o já existente (deixar ir). Em seguida determina o que realmente precisa (deixar vir) e provê soluções protótipos para as necessidades reais, em tempo real. Você observa e adapta com base no que acontece na seqüência.
Enquanto o método convencional é baseado em penetração analítica, seguida de plano de design e construção, no método de protótipos você primeiro clarifica a questão, depois observa, em seguida constrói para poder observar mais e adapta, e assim por diante.
Portanto o protótipo não é a fase que vem depois da análise. O protótipo é o ato instantâneo que flui diretamente da conexão profunda sentida com a possibilidade futura que se desdobra.
Observações finais
 
A essência do processo de liderança e da inovação baseada em um presenciar profundo é você unir de forma criativa uma mente aberta, um coração aberto e uma vontade aberta.
O que mantém este processo vivo e em movimento é um novo conceito de liderança: liderar deslocando a fonte (lugar interno) a partir da qual o sistema opera. As voltas e movimentos deste deslocamento – suspender, redirecionar, deixar ir, deixar vir, cristalizar, desempenhar, concretizar – não são somente capacidades críticas da liderança individual, mas também capacidades críticas de uma nova forma de liderança coletiva que é extremamente necessária para se lidar com os desafios sistêmicos prementes de nossa época.
C. Otto Scharmer é Professor da Sloan Management School do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e Professor Visitante do Center for Innovation and Knowledge Research, Helsinki School of Economics. Fundador do Leadership Lab for Corporate Social Innovation do MIT. Membro fundador da Sol – Society for Organizational Learning.

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