Relacionamento comunidade-empresa

Relacionamento comunidade-empresa

Relacionamento comunidade-empresa, pedra de toque da sustentabilidade

Por Graziella Maria Comini e Rosa Maria Fischer

A erradicação dos problemas socioambientais tem sido um desafio nas últimas décadas, depois de séculos em que o progresso econômico e a supremacia política justificaram os avanços e as omissões.  O mal-estar com esse parco avanço civilizatório provocou, inicialmente, questionamentos sobre a responsabilidade das organizações corporativas, entidades iconográficas do sistema capitalista. Um primeiro movimento observado nas empresas foi o de promover ações filantrópicas sob a forma de doações, as quais tiveram, sem dúvida, a eficiência de atender necessidades pontuais e, mais do que isso, o mérito de expressar o desconforto de alguns líderes empresariais com essa situação. A partir de década de 90, o discurso empresarial volta-se para a responsabilidade social, agora com uma abordagem de investimento social privado.  Esse movimento, observado a partir da última década, tornou-se mais inteligível para a linguagem do mundo dos negócios e transformou a simples preocupação com o tema em uma efetiva estratégia empresarial, retirando as questões socioambientais do “limbo dos assuntos filosóficos” para colocá-las na pauta das prioridades do negócio.  Inaugurou-se, assim, o ambiente propício para a reflexão, o debate e a prática da sustentabilidade organizacional.

O conceito de sustentabilidade é mais robusto do que o de responsabilidade social, pois exige a integração das dimensões econômica, ambiental e social nas decisões empresariais. Mas esse caminho de evolução dos conceitos e das práticas que vem ampliando o compromisso das organizações empresariais com a sociedade não tem sido tão simples e fácil como aparenta pelo simples relato.  Um dos maiores desafios tem sido o aprendizado de trabalhar em colaboração. Em pesquisa pioneira realizada pelo Ceats (Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da FEA/USP), em 2001, sobre alianças intersetoriais, observou-se que, embora as parcerias com outros tipos de organizações fossem a forma predominante de atuar de 37% das empresas, as demais preferiam deter a autonomia e exclusividade de suas ações. Passado dez anos, a situação permanece similar: levantamento realizado em 2010 pelo GIFE (Grupo de Institutos Fundações e Empresas) aponta que 60% dos associados executam projetos com equipe própria. São tendências que indicam que a falta de confiança, a carência de informações e as experiências frustradas são ainda fortes obstáculos ao trabalho em rede, às alianças estratégicas e que, se utilizados, muito provavelmente, resultariam em ações mais eficientes e de maior cobertura.

Também do lado das organizações da sociedade civil foram identificadas posturas ambivalentes em relação às parcerias com as empresas. Aquelas que têm uma percepção positiva da parceria ressaltam os benefícios de aperfeiçoamento de gestão; a ampliação de network; o fortalecimento de imagem e o acesso a recursos.  Mas não são poucas as organizações da sociedade civil que tiveram experiências frustrantes explicadas pela incompatibilidade da lógica e ritmo de trabalho; pela falta de sensibilidade social da empresa; pela falta de clareza sobre as intenções e os valores que norteiam sua ação; pelas dificuldades de comunicação e relacionamento entre as equipes técnicas. Muitos desses fatores que dificultaram o sucesso das alianças intersetoriais podem ser encontrados nas experiências de diálogos com stakeholders, muito em voga nos últimos cinco anos, para materializar a política de sustentabilidade empresarial. Essa prática representou um passo importante para ampliar e aperfeiçoar o relacionamento das organizações com a comunidade, porém tem se mostrado ainda insuficiente para provocar mudanças profundas nos processos de gestão das empresas.  Mudanças que, efetivamente, internalizem uma cultura de sustentabilidade para a qual as relações de mão dupla, não apenas com clientes, consumidores e usuários, mas abrangendo o conjunto das pessoas que estão em sua esfera de influência, devem se constituir em um “mantra” insubstituível. Como todas as mudanças culturais, esta exige tempo e persistência, realinhamento de valores e a ousadia de vivenciar padrões inovadores de comportamento, tanto no ambiente interno das empresas quanto no contexto das suas comunidades de inserção.

Graziella Maria Comini e Rosa Maria Fischer são professoras-doutoras da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP) e coordenadoras do Ceats

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