Revista Alliance – Teoria da Base da Pirâmide. Bom demais para ser verdade?

Revista Alliance – Teoria da Base da Pirâmide. Bom demais para ser verdade?

Em seu agora famoso livro, Fortune at the Bottom of the Pyramid (Fortuna na Base da Piramide), C K Prahalad defende a “erradicação da pobreza por meio de lucros”. A teoria da Base da Pirâmide (BOP, a sigla em inglês, significa Bottom of the Pyramid) sugere que uma situação ganha-ganha é possível se as empresas multinacionais começarem a enxergar as 4 bilhões de pessoas mais pobres do mundo como consumidoras potenciais. Soa muito bom para ser verdade – e Ashok Khosla, fundador e presidente da Development Alternatives Group, com sede na Índia, acredita que é. A seguir,, suas idéias  reunidas a partir de entrevista concedida a Caroline Hartnell, editora da revista Aliance.
As estratégias de BOP ficaram muito conhecidas por causa da promoção de sachês descartáveis de shampoo para pessoas muito pobres. Ainda que produtos como esses não possam ser considerados uma urgente necessidade diária, vender shampoo em sachês é inegavelmente um serviço valioso,  admite Khosla. “Não há dúvidas de que os muito pobres representam um enorme e mal explorado mercado”. Mas trata-se, na verdade, de um mercado com “poder de compra muito baixo”. A não ser que o ato da venda esteja ligado ao ato da produção (e, assim, resulte em aumento do poder de compra, o que pode se tornar uma demanda crescente), vender produtos em mercados remotos custa muito caro.
Este é um problema- afirma Khosla –que “pode ser resolvido apenas se a produção e o consumo se aproximarem”. “Se as pessoas fossem empregadas em uma comunidade, por exemplo, por grandes companhias, para fazer alguns desses produtos, elas poderiam usar o dinheiro que ganham para comprá-los. Henry Ford já dizia que mesmo se ninguém comprasse os carros produzidos pela Ford, seus empregados os comprariam, porque recebiam bons salários trabalhando em suas fábricas. Só deste modo–  produzindo, gerando renda local e satisfazendo o consumo simultaneamente — é possível atrelar o processo à economia da comunidade
Não é uma ótima proposta de negócio
Ainda não dá para afirmar que os projetos de BOP sejam “uma ótima proposta de negócio”. Hindustan Lever – a filial da Unilever na Índia, pioneira em sachês de shampoo – não vê isso como uma grande linha de lucros. O modelo de produção centralizado das multinacionais –segundo Khosla — significa cadeias produtivas caras, resultando em mercados dispersos com pouca renda disponível. “Eles continuam a vender os produtos com prazer,” porque vêem isso como um investimento de longo prazo na criação de novos mercados para seus shampoos e outros produtos”, diz.
Acima de tudo—ressalta — estratégias de BOP não estão nem sequer se baseando nas perguntas certas. “As pessoas precisam, na verdade, de casas, água, roupas, energia. Elas precisam de equipamentos para cozinhar, bombas de água, suprimentos de agricultura, fogões, refrigeração… e, francamente, não acredito que esses temas passem pela cabeça dos formuladores de negócios na base da pirâmide.
Vale destacar, é claro, alguns projetos apontados por C K Prahalad em Fortune at the Bottom of the Pyramid que têm a ver com necessidades vitais, como o Aravind Eye Hospital (Hospital do Olho Aravind) e o Jaipur Foot (Pé Jaipur), com foco em tratamento oftalmológico barato e próteses de membros para os mais pobres. “É um modelo incrível. E a sua política de preços está entre as idéias de ruptura mais dramáticas que existem”. “Mas qual empresa multinacional tem interesse em fazer esse tipo de abordagem?”, questiona Khosla.
Esses são os produtos certos?
Para Khosla, desenvolvimento significa “ criar subsistências e não gerar o consumo de grandes quantidades de produtos que destroem o planeta.” É necessário, evidentemente, produzir artigos mais baratos para ampliar a escala de entrega de produtos, particularmente elementos de necessidade básica. Mas com cuidados.
Um bom exemplo são as garrafas de plástico usadas para armazenar água. Um recipiente de um litro custa 15 rúpias (moeda indiana) e a sua produção consome entre oito e dez vezes mais água do que a que ele vai carregar depois. Em um mundo que sofre com escassez crônica de água, isso faz sentido.
Penso que não adianta incentivar multinacionais para fazerem água engarrafada barata o suficiente para terem um mercado maior, quando o que na verdade está em debate é se as pessoas devem continuar a comprar esses produtos. “Importa fazer a seguinte reflexão: se o dinheiro gasto na fabricação desse tipo de produto fosse usado, por exemplo, em suprimentos de água municipais, todos os indivíduos, ricos e pobres, teriam água limpa”, provoca Khosla
E o meio ambiente?
O indiano acredita que é necessário “aprofundar o debate antes  de  começarmos a promover padrões de consumo de desperdício, danos ambientais e injustiças.”  Em sua opinião, o desafio que se impõe está em “atar os laços econômicos e ecológicos atrelando o consumo à produção e maximizando o valor dos recursos que extraímos da natureza.”
Segundo Khosla, as multinacionais operam com modelos de produção e demanda em larga escala. Esses modelos funcionam “desde que se gaste enormes quantias de dinheiro em marketing, fazendo pessoas mudarem seus hábitos de consumo e usando economias de escala para construir grandes fábricas com massivos meios de transporte.” Para o especialista, nem o planeta nem a economia de um país pobre estão preparados para suportar um  modelo com essas características.
As grandes empresas multinacionais são, na avaliação incisiva de Khosla, um tanto quanto ineficientes. Só obtêm o lucro que obtêm por meio de grandes subsídios – de fundos públicos, de infra-estrutura mal paga e da natureza – e vendendo a preços grosseiramente inflacionados, permitidos por conta da monopolização de bens. “Elas, de fato, acreditam baixar custos ao produzirem em larga escala. Porém, isso significa a criação de mercados baseados em idéias irreais de demanda, enquanto se ignoram as mais básicas necessidades das pessoas”, critica.
Com base nesse argumento, Khosla saca uma pergunta desconfortável: “Por que estamos trazendo as multinacionais para ensinar pessoas como fazer shampoos artificiais e colocá-los em pequenos sachês, que resultarão em lixo, quando as pessoas podem fazê-los muito bem com materiais e habilidades locais?” Segundo ele, as comunidades estão perfeitamente aptas a produzirem muito, ainda que não tudo, do que precisam, e de maneira barata, em indústrias de pequena escala que geram renda e lucro locais. “Além de resultar em alternativa de  trabalho digno para as pessoas , diminui-se o uso de toxinas e químicos baseados em combustível fóssil e tem-se um ótimo produto.”
Mais perda-perda do que ganha-ganha
Longe de ser uma situação ganha-ganha –enfatiza Khosla — os resultados dos negócios de BOP são mais provavelmente de perda-perda. “Desenvolvimento significa dar a possibilidade de escolha às pessoas. E ter algum dinheiro no banco ajuda.” Mas isso não deve ser um fim em si mesmo. “É preciso fazer as escolhas certas.  Não escolhas que envolvem a criação de renda disponível para ser gasta em produtos não-essenciais e muitas vezes geradores de desperdício. Mas escolhas que levam as pessoas ao suprimento de suas reais necessidades.”
“Não creio que os negócios de  BOP, na forma como são atualmente conduzidos, estejam respondendo às necessidades dos pobres.”, afirma o indiano. “Se estão respondendo às necessidade das empresas multinacionais para criar novos mercados, acho sinceramente que não vão muito longe, porque os mercados que procuram serão poucos e longínquos.” Em sua opinião,  elas estão vendendo as coisas erradas a preços errados. Seus custos são determinados pela economia global e sua renda virá de clientes que ganham menos de dois dólares por dia. “Existe uma disjunção fundamental que pode ser superada por meio da criação de mini-indústrias na comunidade, baseadas em tecnologia sofisticada, produção e vendas de bens e serviços que melhoram a vida das pessoas”, prega
Alliance: Volume 12- Número 2- Junho 2007

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