Serreau e o documentário como trincheira

Serreau e o documentário como trincheira

Por Sérgio Rizzo

Em 1996, quando o conceito de sustentabilidade ainda não havia se popularizado, a francesa Coline Serreau lançou a comédia La Belle Verte (O Belo Verde). Escrito, dirigido, interpretado e musicado por ela, o filme teve carreira comercial discreta em seu país e permanece inédito no Brasil.

Ao combinar ecologia com feminismo e anticonformismo com pacifismo, foi encarado como uma extravagância pessoal da realizadora do bem-sucedido Três Homens e um Bebê (1985), e talvez ainda seja lembrado apenas por trazer em seu elenco a então jovem Marion Cotillard – que, 12 anos depois, viria a ganhar o Oscar de melhor atriz por Piaf – Um Hino ao Amor.

Serreau voltaria à carga em 2010, já devidamente uniformizada como guerrilheira cinematográfica das tropas da sustentabilidade, com o longa-metragem Solutions Locales pour un Désordre Global (Soluções Locais Para uma Desordem Global). Exibido pela Mostra Internacional de São Paulo, em outubro passado, com o título Pense Global, Aja Rural, ele recebeu o prêmio do público de melhor documentário, atestando que a receptividade a essa discussão ampliou-se de modo considerável. É provável inclusive que o voto popular tenha sido mais influenciado pelo tema do que pelo filme propriamente dito: documentarista titubeante, Serreau fez um longa desorganizado e, em alguns momentos, rústico.

Mobilizada pela ideia de dar espaço a quem não costuma encontrar muito abrigo na imprensa, ela viajou durante três anos por diversos países da Europa, América e Ásia, e ouviu especialistas em diversos assuntos. O eixo dos depoimentos – que, em certas passagens do documentário, quase termina esquecido – é o uso irracional da terra por meio de práticas agressivas ao solo, baseadas no emprego de produtos químicos.

Os desdobramentos do debate envolvem aspectos políticos, econômicos, culturais, nutricionais e de saúde pública, e possibilitam que Serreau conceda tempo generoso, em visita ao Brasil, a lideranças do MST, como João Pedro Stédile, e à engenheira agrônoma Ana Primavesi.

Nas mãos de um documentarista tarimbado como o norte-americano Errol Morris, que arrancou do ex-secretário de Defesa Robert McNamara informações estarrecedoras sobre a guerra do Vietnã em Sob a Névoa da Guerra (2003), e dissecou as torturas na prisão de Abu Ghraib em Procedimento Operacional Padrão (2008), Solutions Locales teria possivelmente se transformado em libelo contra a indústria de agrotóxicos e de equipamentos agrícolas, recorrendo a dados e articulando de modo preciso o raciocínio de denúncia.

Simpática a suas fontes, Serreau optou por abrir-lhes o microfone e deixá-las falar, ainda que parte do que falem soe apenas como palavras de ordem ou deixe lacunas sem as quais o sentido do discurso termina comprometido.

Ainda assim, a enxurrada de informações constituirá novidade para muitos espectadores, incluindo análises esclarecedoras de como inúmeras fazendas foram transformadas em “terra morta” nas últimas décadas, e de como agir para reverter o processo. Na França, o documentário de Serreau já saiu em DVD, com 60 minutos de extras (a versão para cinema tem 115 minutos). Enquanto não chega ao Brasil, se é que chegará, uma visita ao site do filme pode saciar a curiosidade: www.solutionslocales-lefilm.com.

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