Tendências – Inserir ou não a responsabilidade social na propaganda de marca? Eis a questão

Tendências – Inserir ou não a responsabilidade social na propaganda de marca? Eis a questão

A comunicação do investimento social privado e da responsabilidade social empresarial ainda enfrenta dilemas técnicos e éticos. Mas a incorporação desses temas no fortalecimento das marcas avança, como tendência, entre as grandes empresas que já


Depois de convencidas de que possuem um papel social importante e de que os seus investimentos na melhoria da qualidade de vida das comunidades fazem diferença, algumas empresas assumem agora o desafio de comunicar os seus compromissos sociais e ambientais. Por trás desse movimento, que tem como protagonistas as grandes corporações e na propaganda institucional uma de suas principais ferramentas, impõe-se uma nova tendência de inserir o apelo ético na construção da marca. Baseadas na idéia de que cada dia mais os clientes desejarão fazer negócios com empresas humanas, solidárias e éticas, que pensam e agem como eles próprios, agências de propaganda começam a criar campanhas nas quais não se vende produtos nem serviços mas os valores de responsabilidade social de uma empresa.
Como todo assunto novo, ele surge cercado de dilemas técnicos e éticos: as agências demonstram pouca experiência prática em campanhas com este mote, há quem ache que as empresas gastam mais na propaganda do que na ação social e ambiental propriamente dita e, por causa disso, muitas corporações resistem a comunicar suas ações temendo “errarem o tom” da mensagem e serem percebidas como oportunistas. Apesar dos riscos e incertezas, o uso da publicidade para fortalecer a imagem corporativa de sustentabilidade tem se mostrado a nova aposta das empresas brasileiras.
Pelo menos essa é a visão do publicitário Luiz Lara, presidente da agência Lew’ Lara e responsável pela criação das campanhas da Natura e do banco Real ABN AMRO, organizações com reconhecida tradição em sustentabilidade. Para ele, divulgar iniciativas sociais é algo mais do que justo. Mas existe hoje –ressalta — uma espécie de “modismo do poder do bem”, que se caracteriza por um uso inadequado da responsabilidade social na propaganda corporativa sem o respaldo de uma prática efetiva no cotidiano das operações de negócio. “Se as empresas praticarem, efetivamente, o que dizem acho muito natural que queiram comunicar. O que não pode é comunicar sem a prática. Isso não tem a menor eficácia”, defende.
Propaganda pode ajudar a reforçar crenças e valores corporativos da marca
Comunicar a visão corporativa de um mundo sustentável, associando a marca aos valores da responsabilidade social, tem lá as suas vantagens. E elas não são poucas. A aura de respeito criada em torno de uma imagem ética pode, por exemplo, tornar desnecessário investimento pesado na divulgação de produtos. Esse é o caso da Natura, que tem como política não fazer propaganda apenas de seus cosméticos, mas veicular campanhas que reforcem, aos olhos da sociedade, a sua visão de mundo e os princípios que regem os seus negócios. “Usamos a propaganda para divulgar as nossas crenças. Isso constrói a marca e dissemina o que entendemos ser a essência da empresa”, explica Eduardo Costa, diretor de marca. O executivo atribui o sucesso da Natura, uma das mais admiradas do país, à comunicação eficaz dos valores de responsabilidade social intrínsecos à marca, e não a iniciativas pontuais, desvinculadas das demais ações corporativas.
O Bradesco também adotou a estratégia de ressaltar a sustentabilidade como componente relevante da marca. Em 2006, ao comemorar 50 anos, a instituição escolheu, para posicionamento de valor, o conceito de “banco completo”. Um banco só pode ser considerado “completo” , como sugere o slogan, se é social e ambientalmente responsável – explica Jean Philippe Leroy, superintendente executivo. Segundo ele, os clientes tendem a se identificar com as causas da empresa quando percebem que elas refletem valores importantes, com os quais compartilham, para o banco e as suas lideranças “Cada vez mais, a sociedade brasileira tem mostrado interesse em saber o que as empresas estão fazendo. Como cidadão, prefiro privilegiar com o meu ato de compra de produto ou serviço uma empresa séria, que tem investimento efetivo em responsabilidade social”, afirma.
O publicitário Alexandre Gama, presidente e diretor de criação da NEOGAMA/BBH, agência que atende ao Bradesco, concorda com Leroy. E complementa a sua afirmação. Para ele, além da identificação com valores corporativos fortes, as pessoas precisam de exemplo e incentivo para fazer a sua parte pela comunidade, pelo meio ambiente e pelo país. Nesse sentido, a ação da empresa acaba tendo uma finalidade de multiplicação e conscientização. Segundo Gama, é justamente isso o que leva cada vez mais consumidores a valorizarem a visão de sustentabilidade das empresas, fator que tem pesado – e vai pesar mais ainda — na hora de fazer escolhas e comprar. “O mundo está hoje muito competitivo, e se você não disser o que faz efetivamente, está perdendo”, explica.
Antonio Matias, vice-presidente do Itaú, compartilha da mesma opinião. É um defensor veemente do uso da publicidade para divulgar ações sociais. No final de 2006, o banco lançou uma campanha de divulgação do projeto Itaú Criança, convocando as pessoas a doarem livros para a Pastoral da Criança. “É legítimo que as organizações comuniquem seus esforços na área de responsabilidade social, porque elas se tornam mais conhecidas naquilo que pensam e fazem. Não vamos usar isso como uma peça pura de marketing, mas também não omitiremos o que estamos fazendo, porque isso mostraria um quadro incompleto do que o Itaú efetivamente realiza”, conta..Divulgação de ações de RSE exige planejamento e estratégia, e não deve ser um mero artifício para melhorar o discurso de marketing.
Segundo Matias, o Itaú procura ser cauteloso na comunicação de suas ações sociais, obedecendo a uma “regra simples”: só se divulga para valer quando o projeto-alvo necessita mobilizar a população, como são os casos, por exemplo, do Itaú Criança e de iniciativas como o prêmio Escrevendo o Futuro, que depende do interesse e das inscrições de alunos. ” O Itaú Criança é o início de um movimento contínuo. Por isso precisa necessariamente se tornar de conhecimento público. Ele nasceu para mobilizar a sociedade em relação a causas em favor da criança e do adolescente. Usamos a comunicação para alavancar esse esforço”, explica.
Os entrevistados de IdéiaSocial foram unânimes no repúdio á idéia de se apropriar dos valores da responsabilidade social empresarial como mero suporte ao discurso de marketing da empresa. Costa, da Natura, vai além, e diz que o uso da publicidade de investimentos sociais e ambientais pura e simplesmente como uma ferramenta de promoção representa “uma violência à sociedade.” Para ele, as empresas devem incorporar as causas que apóiam à sua própria imagem corporativa. “Se a organização não atende por uma crença, ideologia ou filosofia, não adianta terceirizar isso apoiando alguém”, indigna-se.
Para o diretor de marketing da Natura, as empresas só devem se aventurar na publicidade se estiverem seguras de sua atuação social e ambientalmente responsável. Do contrário, as segundas intenções serão facilmente descobertas. “Acho que o consumidor tem a noção de quando algo é falso e quando resulta de um compromisso coerente da empresa. Divulgar é uma tendência, mas dentro dessa onda existem aqueles que fazem isso como parte da essência de sua marca, e aqueles que fazem simplesmente como uma ação de marketing”, alerta.
“Ou as ações de responsabilidade social traduzem aquilo que a organização efetivamente é, o que evidentemente pode gerar uma percepção positiva da sociedade, ou têm alguma coisa de errado”, completa Matias.
Primeiro passo é a comunicação “para dentro”, para compartilhar com os funcionários os valores que se quer transmitir para a sociedade.
Para não transmitir uma impressão errada, o publicitário Luiz Lara acha que a lição de casa deve ser feita antes de sair do portão para fora. Em sua opinião, as empresas precisam, antes de qualquer atitude, usar a comunicação para mobilizar os funcionários fazendo “com que todos sejam efetivamente voluntários da causa, e que os valores de responsabilidade social realmente sejam praticados dentro da empresa”. Com esse cuidado importante –crê — a comunicação para os stakeholders torna-se um processo coerente e natural, não sendo necessário chamar a atenção deste ou daquele púbico de interesse para tentar melhorar a imagem do negócio. Na análise do publicitário, essa não deve ser a finalidade das campanhas. “Há muitos anos muitos, Natura e banco Real vêm procurando aplicar a sustentabilidade na gestão da marca. Então é natural que, na divulgação, a questão da RSE transpareça”.
Na mesma trilha, o Bradesco acredita também que os funcionários têm papel decisivo na comunicação dos compromissos sociais e ambientais do banco. Para Leroy, os colaboradores são os principais propagadores de informação sobre a empresa e, por essa razão, precisam compreender que os valores de sustentabilidade estão incorporados ás estratégias do negócio e ao discurso da marca. “Seria um contra-senso uma empresa ter a postura de comunicar ao mercado e não aos seus funcionários”, comenta.
Segundo Alexandre Gama, o Bradesco sempre foi reticente em relação à comunicação pública de suas realizações no campo da RSE. O receio da direção do banco – lembra o publicitário – era que a iniciativa soasse arrogante e desse a impressão de estar “contando vantagem sobre outras empresas.” No aniversário de meio século da organização, porém, Gama sentou-se com os líderes do banco e defendeu a idéia de que estava na hora do grande público conhecer a envergadura dos seus projetos sociais e ambientais. A necessidade—enfatiza—nasceu de duas constatações. A primeira tomou como base “um sinal da sociedade”, que passou a cobrar uma nova postura das empresas e um retorno social para suas comunidades, além de maior transparência na prestação de contas. “Nosso conceito vital é de sustentabilidade. Portanto temos que dar um retorno para a sociedade”, explica Leroy. A segunda constatação– diz Gama –foi perceber que a concorrência já estava utilizando fortemente o mesmo recurso. Desse modo, quando lançou a campanha com o conceito de banco completo, a sustentabilidade estava inserida na cultura da empresa e já fazia parte dos atributos valorizados pela publicidade. “Um banco que se diz completo jamais poderia deixar de ter um pé no social e no ambiental, assim como tem no comercial”, defende o publicitário.Consumidor começa a reconhecer e valorizar empresas que demonstram compromisso firme com as questões sociais e ambientais
Para Costa, da Natura, o melhor indicador de que o público reconhece e valoriza as crenças transmitidas na propaganda da Natura são os próprios resultados financeiros da empresa. “Nos últimos anos, a Natura se tornou um fenômeno empresarial, não só por causa dos seus produtos, mas por toda a atuação com responsabilidade social”, argumenta. O executivo explica que a empresa utiliza mecanismos de avaliação e pesquisas de mercado. Mas nenhum outro instrumento é mais preciso do que a aceitação do público. Costa comemora o fato de que os “bons resultados de uma empresa com as crenças da Natura” refletem um novo estágio de consciência social e ambiental do consumidor brasileiro. “O papel do consumidor é procurar se informar, e realmente ter consciência daquilo que ele está comprando e por quê. Esse é o primeiro passo para construir um mundo melhor”, ressalta.
Um exemplo ilustrativo de que a propaganda institucional, baseada em valores sociais e ambientais, está em alta é a Aracruz Celulose. Segundo Carlos Alberto Roxo, diretor de sustentabilidade e relações corporativas da empresa, pesquisas mostraram que a companhia cresceu de forma muita rápida e o reconhecimento do consumidor não acompanhou esse movimento. Por isso, com o objetivo de melhorar a percepção de marca da empresa, tornado-a mais conhecida, os executivos escolheram estrear a comunicação com uma campanha institucional. Produzida pela agência W/Brasil, a peça “Pipa”, por exemplo, não tratou de produtos, preferindo apresentar um breve perfil da empresa, destacando os seus valores corporativos, entre eles o de sustentabilidade e a preocupação com o futuro do planeta. “Antigamente as empresas eram julgadas apenas por seus produtos. No caso da Aracruz, isso é difícil, porque a celulose é um produto semi-acabado. Não vai para o consumidor final. Nossa propaganda, portanto, tem caráter institucional, mostra solidez, seriedade e compromissos firmes da organização”, explica Roxo. Além da campanha em rede nacional, a Aracruz tem investido na divulgação de projetos locais específicos, usando a televisão e anúncios em jornais. Segundo o executivo, foram campanhas rápidas, apenas para tornar as ações conhecidas do público.Dois cuidados básicos para empresas que querem usar a propaganda da SER para construção de marca
Quem pretende usar os valores da responsabilidade social empresarial na propaganda de marca deve, porém, levar em conta dois cuidados básicos recomendados pelos executivos ouvidos por IdéiaSocial. O primeiro é que a ação divulgada pela empresa gere resultados concretos para a toda a sociedade, não sendo um conjunto de mensagens meramente laudatórias e auto-promocionais. “A divulgação também deve, no mínimo, tornar público um exemplo para ser copiado”, acredita Matias.
Um segundo ponto importante é garantir eticamente que o maior beneficiado seja o projeto e não a empresa. E que a o conteúdo da mensagem reflita uma verdade na qual a companhia acredite de fato e não para “fazer boa vista” no figurino e na etiqueta corporativos. “Muitas empresas ainda confundem isso, querem falar de meio ambiente e educação, por exemplo, porque pega bem. Só que, se essa não for a prática da empresa, as pessoas percebem, e você acaba revelando falta de caráter”, condena Gama.Custos altos de campanhas publicitárias estão na berlinda de debate ético
Os altos custos habituais da publicidade estão no centro do debate ético sobre as campanhas baseadas em ações socioambientais. Entre os críticos dessa prática, o argumento utilizado para repudiá-la, é que se, de fato, as empresas estivessem preocupadas apenas com a qualidade de vida das comunidades e do meio ambiente, deveriam investir os recursos da propaganda em projetos. Incomoda-os especialmente quando as empresas gastam muito mais com a comunicação do que com as ações. Diante disso, cabe a pergunta: vale gastar parte da verba corporativa, seja ela específica de responsabilidade social ou não, na divulgação das iniciativas sócias e ambientais ou no fortalecimento da marca? A resposta dos executivos consultadas por Idéiasocial é sim.
Jean Philippe Leroy, do Bradesco, não tem dúvidas. Em sua opinião, não basta fazer, é preciso falar o que se faz, não apenas para chamar a atenção sobre a empresa mas para influenciar e estimular mudanças positivas de valores e comportamento na sociedade . “Quando uma empresa divulga adequadamente o conjunto de suas práticas de responsabilidade socioambiental, ela produz invariavelmente um ciclo virtuoso”, diz. Alexandre Gama, responsável pela conta do banco, tem um ponto de vista bastante pragmático. Segundo ele, os custos de uma campanha que apenas vende um produto convencional do Bradesco e de outra que incorpora valores corporativos são os mesmos. “Isso só torna mais digna de admiração a empresa que investe seriamente na comunicação da responsabilidade social. No fundo, talvez fosse mais fácil fazer uma propaganda de cartão de crédito, que, no médio prazo, não contribui para a sustentabilidade do Planeta”, pondera.
Para Matias, sempre que a empresa utilizar a comunicação da RSE em benefício da sociedade, e não para se promover, seu esforço terá validade. A propaganda –acredita –expõe publicamente os compromissos sociais e ambientais e torna os consumidores e a sociedade mais críticos, dando-lhes o direito de exigirem cada vez mais uma atitude sustentável das empresas. “Acho que vale a pena investir na divulgação, desde que seja parte de uma estratégia mais ampla”, concorda Costa, da Natura. De acordo com ele, usar a publicidade focada apenas na venda de produtos seria inviável do ponto de vista financeiro. O executivo argumenta que é preciso avaliar o custo-benefício do investimento. E, quando se trata de propagar as crenças e refletir um bem para a sociedade, a aplicação é proveitosa. “Para isso vale todo o dinheiro do mundo”, completa.
Na avaliação de publicitários, SER está mudando alguns conceitos na propaganda de marca Luiz Lara, presidente da agência Lew’Lara, alerta: não existem fórmulas publicitárias prontas para campanhas que envolvem responsabilidade social. Por isso, ele recomenda que as agências se acostumem com a mudança de conceitos. Segundo Lara, a propaganda “não pode mais se ater pura e simplesmente ao realce dos benefícios e atributos de um produto ou serviço. Precisa alicerçar a essas boas características a causa e os valores da marca”. Para Alexandre Gama, presidente e diretor de criação da NEOGAMA/BBH, embora não pareça, uma campanha hoje que não saiba destacar um produto socioambiental, hoje, prejudica a empresa anunciante. “Na publicidade falamos muito de DNA da marca, mas temos que falar agora do caráter da instituição”, sentencia.
Na avaliação de Gama, a estratégia para uma boa propaganda focada em sustentabilidade, é colocar o tema em primeiro plano, conferindo leveza ao conceito, desconhecido do grande público, e tratando-o com mais seriedade. Segundo ele, as agências ainda não estão preparadas para lidar com esse aspecto das empresas. Muitas vezes, reforçam mais os impactos da irresponsabilidade socioambiental e não o conteúdo da ação que está sendo divulgada. Isso é um equívoco, admite. “Acho que as agências de propaganda ainda não acordaram para o potencial de contribuição que têm para dar nessa esfera. Mas vão aprender”, arrisca Gama. (C.G)

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