Uma boa lição do filho de Costeau

Uma boa lição do filho de Costeau

Mais informação é suficiente para levar um indivíduo a fazer escolhas mais sustentáveis para a sua vida, de seus filhos, de sua comunidade ou do planeta? Eis uma pergunta contemporânea à procura de respostas definitivas de especialistas em comunicação e comportamento humano.
Há quem ache que não, respaldado na tese de que nem todas as escolhas decorrem de um processo exclusivamente racional e analítico –estariam aí para prová-la os fumantes que não largam o cigarro, e os jovens que consomem drogas e fazem sexo inseguro, mesmo sabendo dos riscos para sua própria saúde. Os que pensam que sim apostam na ideia de que informação clara e contextualizada, transmitida com regularidade, pelos canais mais apropriados, pode derrubar a barreira da inércia que impede as pessoas de mudar hábitos condicionados. Isso funcionaria ainda melhor quando esses hábitos resultam em algum tipo de prejuízo individual, não adequadamente identificado ou dimensionado antes de receber a informação.
O oceanógrafo francês Jean-Michel Costeau, ao que parece, joga nesse segundo time. Na semana passada, ele esteve no Brasil a convite da embaixada americana, da Usaid (agência americana de desenvolvimento) e do grupo +Unidos (uma parceria da missão diplomática dos EUA com empresas americanas em território brasileiro) para falar sobre responsabilidade social na Câmara Americana de Comércio. Foi um encontro interessante, educativo, com alguns assuntos um tanto indigestos para algo que se pretendia um almoço-palestra.
Como o pai Jacques Costeau, Jean-Michel é pesquisador e educador que, desde 1968, atua produzindo documentários sobre as riquezas naturais dos rios e oceanos. Aos 71 anos, já rodou mais de 70 filmes, tendo conquistado até mesmo um prêmio Emmy. Apontado como um dos mais importantes ambientalistas do mundo –a Casa Branca já o elegeu Herói do Ambiente, em 1998 – ele criou em 1999 a Ocean Futures Cociety, organização sem fins lucrativos com sede em Santa Bárbara, na Califórnia (EUA). E hoje, entre outras atividades, dedica-se, por meio de um projeto chamado Embaixadores do Meio Ambiente, a ensinar crianças de seis países a viverem de modo sustentável – no Brasil, a ação ocorre no Guarujá, Litoral Norte de São Paulo, com apoio financeiro da Dow Química.
O almoço-palestra de Costeau pode ser dividido em duas partes. Na primeira, mais politicamente correta, o documentarista  fez o que dele se esperava: contou em detalhes sua recente expedição pela Amazônia, defendeu a importância de preservar a água, abordou a necessidade de reduzir emissões de carbono para frear o aquecimento global e de eliminar a fome. No segundo tempo, foi  provocativo, surpreendendo a todos com a história de um estudo sobre a detecção no sangue das orcas de toxinas geradas na fabricação de determinados produtos consumidos nos grandes centros urbanos. Segundo o oceanógrafo, substâncias baseadas em metais pesados, algumas banidas por causar malefícios á saúde humana, foram identificadas nessas famosas baleias, confirmando a suspeita de que tudo o que as sociedades de consumo ingerem acaba, pela propagação na cadeia alimentar, chegando aos oceanos com impactos para as espécies vegetais e animais.
Como explicar o fenômeno? Costeau decidiu ele mesmo ser cobaia de estudo em uma clínica da Califórnia para identificar em seu organismo a presença de PBD`s, substâncias que se aplicam a todo tipo de produto, de travesseiro a celular, para evitar que eles se inflamem rapidamente. O mesmo teste foi realizado com duas assistentes do oceanógrafo, e um filho de quatro anos de uma delas. Constatou-se um pequeno acúmulo da susbtância, mas dentro da média, nos adultos. E um bem maior na criança. Entre as hipóteses para o achado pode estar o fato de que crianças tomam maior contato com as toxinas, na medida em que rolam e brincam em tapetes, móveis, sofás e cortinas.  Sobre os PBD’s sabe-se, por exemplo, que são substâncias potencialmente cancerígenas e que reduzem a fertilidade masculina. No filme, diante dos resultados, um grave Costeau dispara: “Não estamos mais falando de política, mas de saúde.”
Como alguém que se propôs a conscientizar para a importância de preservar as águas a partir da documentação visual de tudo o que vive nelas, Costeau acredita que informações como as levantadas por esse estudo podem levar as pessoas a refletir sobre o que compram e empresas a pensar em como produzem. No caso específico dos PCBs, ele crê que dando visibilidade aquilo que é normalmente invisível –as toxinas impregnadas em produtos –, a informação nova mobilizará os consumidores a questionarem não só a presença mas a necessidade dessas substâncias que, se geram comodidade e segurança, também resultam em custo –embora dissimulado—para a qualidade de vida dos indivíduos, os oceanos e o planeta.
Essa reflexão está no centro do crescente movimento de consumo responsável em todo o mundo. Conscientes de seus direitos, e do poder que exercem na revisão de práticas empresariais, cada vez mais indivíduos parecem preocupados em cobrar a origem  e a composição dos produtos, verificar quão socioambientalmente responsáveis são os processos de produção, demandar produtos e serviços verdes, exigir compromissos para um descarte adequado e de baixo impacto para a natureza. Está chegando um tempo em que consumidores vão querer saber das empresas se o que elas incorporam aos produtos é realmente necessário ou se há alternativas menos impactantes para o homem e a natureza.  E, nesse cenário, informação isenta será sim um instrumento de cidadania. Com o seu exemplo, Costeau vem ensinando o caminho.

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