Vida em desequilíbrio

Vida em desequilíbrio

Muito antes que o termo sustentabilidade passasse a ser de uso cotidiano, o norte-americano Godfrey Reggio fazia do seu trabalho um instrumento para disseminar a ideia de que a sociedade de consumo estava contribuindo para o desequilíbrio ambiental e humano do planeta. Nascido em 1940, ele viveu em uma irmandade católica dos 14 aos 28 anos. Nesse período, deu início a atividades comunitárias voltadas para jovens em situações de risco e imigrantes pobres estabelecidos no Estado do Novo México. Mais tarde, fundou uma ONG para atuar em projetos educomunicativos – quatro décadas antes que a palavra educomunicação batizasse um pioneiro curso de graduação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, cuja primeira turma ingressou em 2011.

Foi só quando já estava na casa dos 40 anos, contudo, que Reggio resolveu ampliar drasticamente a escala de seu público, nos EUA e no exterior. Para isso, ele recorreu ao cinema. Koyaanisqatsi – que começou a ser rodado em 1975, mas só foi concluído em 1982 e lançado no ano seguinte – abriu a sua trilogia de longas-metragens experimentais sobre a presença do homem na Terra e o efeito devastador do avanço tecnológico. Na língua dos índios Hopi, o título do filme significa “vida em desequilíbrio”. Com imagens espetaculares captadas em diversos países e trilha sonora hipnótica de Philip Glass, Reggio causou sensação em festivais (no Brasil, teve recepção consagradora ao ganhar o prêmio do público na Mostra Internacional de São Paulo), pavimentando o caminho para o prosseguimento da trilogia com Powaqqatsi (1988) e sua conclusão com Naqoyqatsi (2002).

A obra desse pastor-cineasta inclui o curta-metragem Anima Mundi (1992), produzido para o programa de diversidade biológica do World Wide Fund for Nature e também musicado por Glass. De acordo com informações da imprensa norte-americana, Reggio estaria se dedicando no momento a um projeto de longa-metragem sobre os efeitos do consumismo e do fundamentalismo na sociedade contemporânea. Mesmo que não consiga realizá-lo, já assegurou um lugar privilegiado na história das conexões entre cinema e sustentabilidade com um conjunto vibrante de filmes, hoje disponíveis em DVD e equivalentes a um compêndio de fácil compreensão (e de impacto imediato) sobre a cadeia infindável de relações que governa a vida no planeta.

No cinema contemporâneo, nenhum outro realizador se dedicou, com a ênfase e a determinação de Reggio, à mesma causa. Ron Fricke, que trabalhou como diretor de fotografia em Koyaanisqatsi, ensaiou seguir seus passos ao realizar alguns curtas e o longa Baraka (1992) – cujo título, na cultura Sufi, refere-se ao sopro de “essência da vida” que move o planeta. Assim como a trilogia de Reggio, o filme de Fricke – também disponível em DVD – é uma visão filosófica e espiritualizada da ambígua marca humana sobre a Terra, que adquire traços autodestrutivos quando perde de vista os efeitos de longo prazo provocados pelo uso predatório do meio.

Sérgio Rizzo é jornalista, crítico de cinema e professor
www.sergiorizzo.com.br

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