Vida Solidária – O caçador de pipas – Parte 2

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Em Bangladesh, mulheres puxam o desenvolvimento econômico
O resultado do empoderamento feminino em Bangladesh não poderia ser mais alentador. Por causa dele, o país vem diminuindo a sua pobreza, o que pode ser constatado –segundo Yunus —  pela evolução de três variáveis. A educação é uma delas. Contrariando as expectativas mais otimistas, o ensino público está universalizado. As meninas que interrompiam seus estudos no primeiro grau hoje representam o dobro dos meninos nas escolas secundárias. Cada vez mais, elas ingressam nas universidades. E já começam a disputar, de igual para igual, espaço no mercado profissional.
Outra evidência de melhora do país é a redução drástica do crescimento populacional. Em um período de 25 anos, o número de filhos por mãe baixou de 6,3 para 3. Dá para imaginar o alívio que um fato como este trouxe para os governantes de um país com o tamanho do Amapá e uma população próxima da brasileira. A saúde também evoluiu de modo expressivo. Há duas décadas, Bangladesh costumava ficar abaixo de países como Índia, Paquistão, Nepal e Sri Lanka. Hoje tem índices superiores. “Além dos esforços dos governos, a sociedade civil tem se mobilizado para acelerar este progresso”, festeja Yunus.
Embora, Yunus prefira, por modéstia, não ressaltar seus feitos, o banco que criou teve papel decisivo no desenvolvimento de Bangladesh. Os números estão aí para provar. Quando o Grameen nasceu, o PIB (Produto Interno Bruto) per capita era  de U$ 370. Ao final de 2007, batia nos U$ 1.700. Em 2006, 64% dos clientes que estavam recebendo, há pelo menos cinco anos, os recursos do banco saíram da situação de pobreza extrema. “Cerca de 80% das famílias pobres de Bangladesh foram beneficiadas. E a meta é chegar a 100% até 2012”, projeta. Quem vê luzes se acenderem nos olhos do professor Yunus, ao falar desse desafio, não tem dúvida de que vai vencer a prova.
Grameen escolheu caminho contrário ao dos bancos convencionais
No momento em que estava concebendo o Banco da Aldeia, Yunus adotou o método de observar como os bancos convencionais operavam para fazer exatamente o contrário. “Enquanto eles procuram os ricos, nós fomos até os pobres. Em vez de ir ao centro, onde normalmente se concentra o capital, priorizamos as aldeias onde o dinheiro era escasso”, diz. No lugar de montar uma estrutura centralizada de serviços, o Grameen se propôs a levar os serviços aos povoados. Na contramão do excesso de entraves burocráticos, escolheu dispensar os papéis e as exigências de garantia. Os bancos convencionais preferem emprestar para quem é especialista em um determinado negócio. O Grameen, para pessoas que nem sabem lidar com dinheiro. Os dividendos dos bancos tradicionais são distribuídos para acionistas e investidores. Os do Grameen, reinvestidos no próprio banco. Os convencionais são propriedade de homens ricos. O Grameen é de mulheres pobres. “Tudo o que nos diferencia é também o segredo do nosso sucesso”, diz.
Indagado sobre o que deve ter uma experiência de microcrédito para que seja bem-sucedida, Yunus responde sem titubear: distância de governos, boa gestão e confiança nas pessoas. Em sua opinião, governo e microcrédito quimicamente não se combinam. “Governos são entidades políticas. E quando uma entidade política começa a fazer empréstimos para pessoas pobres, a contrapartida de apoio político acabará entrando no jogo e se tornará, desse modo, mais importante do que o pagamento da dívida. Isso não é nada bom. Programas de microcrédito precisam ser feitos de modo institucional, bem longe dos governos” , conta o mais ilustre cidadão de Bangladesh, país que, segundo a Transparência Internacional, tem os políticos mais corruptos do Planeta. Para ele, as instituições devem ser preferencialmente de propriedade das pessoas pobres. Se o microcrédito não está funcionando em algum lugar –ressalta — não é por culpa dos que tomam os empréstimos, mas dos que administram o programa. Yunus não sabe. Mas no Brasil, apenas 3,6% dos microempresários se utilizam de programas de microcrédito. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, os empreendimentos com acesso a essa ferramenta cresceram 101% num período de 24 meses, o triplo da expansão observada entre os que não recorreram a ela.
Todo mundo sabe empreender, só depende das circunstâncias
Poucas coisas irritam mais Yunus do que associar o sucesso do microcrédito ao financiamento de pessoas pobres empreendedoras. Para o professor, todos os indivíduos são empreendedores na medida em que empreender  faz parte da natureza humana. “São as circunstâncias sociais que reprimem ou estimulam a nossa capacidade de empreender. O Grameen tem como missão fazer desabrochar o espírito empreendedor de pessoas de baixa renda, com menos acesso ás melhores oportunidades.”
Para convencer os que não acreditam nessa tese, Yunus gosta de relatar uma das ações mais recentes do seu Banco da Aldeia: o financiamento a mendigos de rua. “Propusemos a eles que, em vez de pedirem esmolas, aproveitassem o esforço de bater nas casas das pessoas para oferecer-lhes algumas mercadorias simples e baratas, como, por exemplo, doces, brinquedos e utilidades domésticas. Então, colocamo-nos à disposição para emprestar, a juro zero, o dinheiro necessário à compra das mercadorias”, conta. A idéia funcionou. Hoje 100 mil já aderiram ao programa. Cerca de 10 mil mendigos viraram negociantes. Os demais já não são mais mendigos em tempo integral.

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